Pensata

A realidade imaterial da re-arborização

Manuel Dutra (*)

Reunir os recursos (financeiros, sementes, mudas, outros insumos, etc.) até que não é o mais difícil para tarefa urgente de dar-se início a um processo continuado de re-arborização e manutenção permanente do verde que torna as ruas da cidade mais humanas e menos calorentas. A questão de fundo é imaterial, ou seja, intangível, simbólica, que é a questão da motivação de indivíduos, grupos e mesmo da sociedade como um todo em assumir decisivamente o que lhe toca na re-construção da qualidade de vida de uma cidade como Santarém.

No Manifesto, publicado aqui no final de dezembro, deixamos claro que o êxito de uma empreitada como esta tem que ser pedagógica, de pouco adiantando ações heróicas e solitárias (solitárias mesmo em se tratando de pequenos grupos entusiasmados e decididos). Também é duvidoso o êxito se as coisas ficarem dependentes de um “projeto” ou “programa” da prefeitura, por exemplo. Como dissemos naquela ocasião, o estabelecimento de uma política pública envolve tanto o poder público quanto a parte organizada da sociedade.

Daí decorre a emergência do simbólico, daquele “gás” que leva pessoas e grupos a acreditarem verdadeiramente naquilo que projetam ou naquilo que lhes é proposto com inteligência e sinceridade. Sem motivação, a mais ampla quanto possível, a canto nenhum se chegará.

Por isso, ao mesmo tempo em que se lançam as primeiras sementes e mudas, é indispensável a mobilização social, a “venda” competente da idéia tanto à comunidade quanto ao poder público. Por exemplo: não apenas imaginar em replantar árvores, mas também desenvolver ações que motivem a prefeitura a entender as coisas de modo diferenciado, ou seja, envolver os contribuintes numa ação permanente que beneficie aqueles que pagam e os que não pagam.

Isso incluirá coisas como o incentivo a que moradores, eles mesmos, plantem árvores diante de suas casas (os tipos de plantas seriam decididos por técnicos, engenheiros agrônomos e florestais) e a prefeitura e/ou grupos privados disponibilizariam as mudas e técnicos ensinariam a plantar, em ação conjunta com grupos voluntários. Cada família ou grupo de famílias (no centro da cidade talvez a coisa funcione de modo diferente) seriam “donos”, guardas das plantas e responsáveis pelos cuidados necessários a seu crescimento na frente de suas casas.

Talvez, de saída, uma chispa motivadora seria um concurso público para criação de um logotipo, de mensagem simples e direta, para se espalhar pela cidade inteira, convidando todos para essa romaria permanente. Concursos tipo “o quarteirão que mais plantou árvores”, concessão de diplomas individuais e/ou coletivos para os quarteirões ou bairros mais ativos, instituição de prêmios e exposição na mídia dos casos exemplares; desconto no IPTU para os casos mais destacados, etc.

Isso poderia dar o substrato social para uma empreitada que visa ao bem comum e, ao mesmo tempo, estaria aí plantada uma semente para empreitadas coletivas de outros naipes, como a questão do trânsito, da localização do porto fluvial de passageiros e muitas outras coisas. Um ensaio coletivo para vôos ainda mais altos.

É claro que isto está dito aqui apenas de modo resumido, mas a criatividade poderá incluir muitas outras ações de motivação, sem as quais, não haverá milhões de mudas que venham sobreviver. Temos os exemplos concretos de que, nos poucos trechos de ruas de Santarém bem arborizados, em vários deles é a própria comunidade do quarteirão que cuida. Isso obviamente evita o péssimo costume do vandalismo, quando os “contrários” ao prefeito de plantão quebram as mudas porque foram plantadas pelo “outro partido”.


O envolvimento motivado do maior número de pessoas ajudaria, de imediato, a retirar o aspecto político-partidário de uma ação coletiva que atenderá a todos, sejam eles partidários ou não partidários.

Se não levarmos em séria conta o imaterial de qualquer iniciativa coletiva, poderemos estar criando, sem perceber, em curto ou médio prazos, a desmotivação para nós mesmos. E não é isso que desejamos, pois há muito o que fazer, inclusive convencer a nós próprios, o poder público e a coletividade toda de que os problemas são de todos, e não apenas daqueles que se sentam na cadeira do poder. Sobre estes deve estar atenta e vigilante a atenção coletiva, pois a cadeira do poder não é propriedade privada, nem é dos gabinetes que partem as melhores soluções.


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* Santareno, é professor-doutor em Comunicação Social.

Comentários

Anônimo disse…
A Pensata Realidade Imaterial da Re-arborização escrita pelo jornalista Manuel Dutra, lembrou-me um cidadão, embriagado, que bateu contra uma mangueira na avenida São Sebastião e veio a falecer, seus amigos foram cortar a arvore como se ela tivesse a culpa pelo acidente, uma senhora que morava em frente à mangueira falou: “Ninguém corta essa mangueira, pois quem plantou foi meu marido que hoje é falecido”. Ela conhecia a historia daquela mangueira, ela era a “dona”, a guardas da arvore e responsáveis pelo seu crescimento na frente de sua casa.
O Manuel Dutra, tem toda razão, para se defender algo, precisa conhecer sua história, participar.
Anônimo disse…
Não dá pra acreditar que a pensata (com idéis e sugestões práticas) de Manoel Dutra gerou apenas UM comentário... Onde estão todos??? Ainda muito ocupados discutindo a "maisena"???