Artigo


Por uma educação literária menos ordinária

Josué Gomes Vieira (*)



Quantas vezes nos deparamos ao final de um romance, poema, conto ou crônica, até mesmo depois de uma apreciação de um quadro, com algumas expectativas em ter o pensamento, visão de mundo, filosofia, daquele que em muitos julgamentos personalísticos alvoreceu com a placa de autor.

Demos a este signo da teoria de literatura poderes inimagináveis para circular entre o real e o abstrato, humano e sobre humano, até conferimos a esta persona pictórica, o poder de bem e mal. Portanto, estava posta e conferida a esta personalidade uma patente de Deus, um poder teológico capaz de ir além do conhecimento e da opinião daquele que o intitulou de Maxinus: o leitor.

Não criemos pânico! Apenas o que nos permitiu esta visão foi uma educação literária de moldes miméticos, apoiados em uma circunscrição de uma ética estatal advinda de uma filosofia cultural, judicial, política romana, em especifico podemos citar Horácio com sua formula "Docere cum Delectare" - ensinar deleitado, provendo e promovendo assim uma política poética apoiada no didatismo; que por sua vez, tem origem nada mais nada menos na lições sobre arte de Platão (por favor consultar o livro X de "A Republica"), isto é nos princípios de uma ética estatal em parâmetros ideológicos "da lei ao fato".

Assim seguiu-se em séculos e séculos, amém; desenvolvendo do moralismo à política ( litterature engage) à sociologia (meio, raça e ambiente) à biografia (alma do autor). Mas, o que ficou bem latente na esquematização de uma educação, diferente de instrução, sobre a obra de arte literária, foram os moldes positivistas que permearam, deixa eu mudar esta conjugação, permeiam as cartilhas - perdoem-me os pedagogos, mas não tenho outra alcunha, de educação literária dos ensinos fundamentais e medios, que em sua estética filosófica dão supervalorização ao autor ou como queiram alguns existencialistas de corrente pendendo para a metafísica, autor-teológico ou autor-Deus (consultar Jacques Derrida).

Esta ai o sintoma, a nevralgia textual que colocou o leitor do texto na geladeira da história da literatura por muito tempo. Até que em um ensaio em 1968, Roland Barthes profecia sobre o que seria mais tarde adotado como uma possibilidade de "apagamento do autor" de uma determinada escritura, ou como queira os estetas românticos, obra. "(...) desde que o fato é contado, para fins intransitivos, e não para agir diretamente sobre o real, quer dizer, finalmente fora de qualquer função que não seja o próprio exercício do símbolo, produz-se este desfazamento a voz perde a origem, o autor entre em sua própria morte, a escrita começa." ("a morte do autor", Rumor da Língua).

Todavia o sentimento deste fenômeno tem sido variável; nas sociedades etnográficas não há nunca uma pessoa encarregada da narrativa, mas um mediador de que podemos em rigor, admirar a prestação, quer dizer, o domínio do código narrativo.

Para efeitos mais lógicos dizemos que o "autor" - agora com aspas fúnebre, é uma parte da obra. O livro seria então olhado como a própria re-oralização da escrita, na medida em que ele, é através dele, que a escrita se reinsere no processo comunicacional. Assim da escrita ao livro decorre uma alteração material e uma transformação imaterial.

Para que isso seja latente ao exercício literário, devemos despolarizar a imagem de literatura ao "autor". Como diria João Ubaldo Ribeiro em uma crônica ( "escritor da cidade" ): "O mais penoso dos meus deveres, contudo, é ouvir as historias para escrever. Começa com palmas no portão".

A idéia de "autor", para melhor, escritor, quem roga uma etimologia latina de scripto, esta fadada ao desaparecimento ou diminuição.

O que nos faz ainda pensar ainda que ele seja a chave máxima da literatura é o chamado mercado editorial, que supervaloriza o artefato livro com designer atrativo como uma mercadoria, algo consumível de irenovação e efêmero, colocando a posição de "autor" ou escritor em uma sublime esfera teológica.

Temos o dever de nos reeducarmos diante da escrita de arte literária, pois, somos nos leitores que fazemos de um signo, um sentido, corpo uno; compactamos o texto e dele fazemos a obra de arte literária.

Finalizo então com Montaigne: "Il y plus affaire à interpreter les interprétations qu'à interpréter les choses, et plus de livres sur les livres que sur un autre subject (...)" (o interprete atarefa-se às interpretações, quer interpretar as coisas, e mais livros sobre os livros que sobre outro subjetivo)

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* É poeta e escritor santareno. Classificou-se em primeiro lugar nas duas categorias conto e poesia do 1° Festival de Contos e Poesia do Baixo Amazonas, realizado há poucos meses em Santarém.

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