por Manuel Dutra (*)
Há algum tempo escrevi que a vitória de um “não” no esperado plebiscito pela revisão territorial do Pará será pior do que a não realização da consulta popular. A questão de fundo é: como ficará a relação de Marabá e Santarém, vitrines das duas regiões que pleiteiam a autonomia, com a capital Belém, depois de um possível revés no plebiscito?
E não me refiro propriamente aos políticos e aos empresários, pois estes sempre encontram maneiras de se ajustar às situações esperadas e inesperadas em suas alianças com os grupos predominantes em Belém. Penso nos demais setores sociais do Sul e do Oeste paraenses, pois a luta pela emancipação, pela primeira vez, está indo muito além da arena partidária para afetar majoritariamente a população.
O que preocupa é a maneira irresponsável como a questão vem sendo tratada. Do lado dos contrários, o discurso é o da desqualificação debochada de uma demanda que envolve uns tantos milhões de paraenses majoritariamente desejosos de ver, pela autonomia político-administrativa, um futuro diferente do presente. Do lado dos militantes favoráveis percebe-se que não têm a exata noção da magnitude da questão. Entre os erros crassos cometidos está a inclusão do Xingu na área a ser desmembrada, supostamente não muito do agrado das lideranças e de setores populares do principal município daquela região, Altamira.
Os dois lados estão brincando com fogo. A verdade é que o Pará já está dividido, historicamente dividido, sentimentalmente dividido. Basta lermos a introdução do Primeiro Plano Qüinqüenal da SPVEA, mais tarde Sudam, para constatarmos, nas palavras de seu primeiro superintendente, o historiador amazonense Arthur Cezar Ferreira Reis, a cruel realidade que permanece, ou seja, nos idos de 1950 a cidade de Belém se caracterizava por abrigar uma elite bacharelesca e predadora das populações interioranas que, historicamente exploradas e sem contar com a presença do Estado, sustentavam os ares de “modernidade” da capital. Isto está num documento oficial, do governo federal.
Se a realidade presente mudou um pouco, seria desonesto não constatar hoje a brutal diferença entre Belém e as principais cidades do interior, um estado cabeçudo com um corpo franzino. Se os representantes do poder político e as lideranças empresariais, culturais e demais proeminências encasteladas em Belém se dessem ao trabalho de menos ir a Miami ou Paris e fossem ao interior que dizem tanto desejar unido à capital, perceberiam a realidade que sustenta o pleito por autonomia.
Há gente falando de plebiscito, de ambos os lados, sem ter a noção do que isso tudo representa. Se a consulta popular resultar num “não”, haverá festas? Se houver, pior ainda. O presente sentimento de aversão crescente contra a campanha pelo “não” poderá – Deus nos livre! – transformar-se em rancor. E o Pará estará dividido pelo ódio, embora “unido” institucionalmente. Seria como forçar a convivência de um casal que deseja ardentemente separar-se.
Há, portanto, subjazendo a isso tudo, algo muito grave que não pode ser encarado com ignorância, irresponsabilidade e molecagem mesmo, a partir de certa imprensa paraense. Cada piada ou gozação que sai no jornal O Liberal e outras mídias de Belém são intensamente repercutidas no Oeste e no Sul do Pará, potencializando o ressentimento. Que futuro estamos construindo dessa forma?
Com as campanhas contra e a favor despidas de racionalidade e de bom senso, o que fica é o emocional, a imaturidade de não tratarmos com alguma seriedade dos problemas do Pará e da Amazônia, como bem identificou o empresário e político Oziel Carneiro há alguns anos. E cito Carneiro por ser ele francamente contrário à revisão territorial. Porém, talvez, uma das poucas vozes que, há algum tempo, chamou a atenção para essa irracionalidade e para a ausência de debates sérios sobre os problemas do Pará como um todo, incluindo aí também as demandas autonomistas.
Não acredito que essa racionalidade aparecerá. Por isso sou pessimista tanto com a perspectiva de um “não”, pelas razões já apontadas, como com a possibilidade de um “sim”. Isto porque as velhas aves de rapina, daqui e de alhures, já preparam as garras para abocanhar o quinhão que sempre foi negado ao povo trabalhador. E essa nefasta herança histórica sobreviverá talvez com mais força e astúcia após uma eventual autonomia do Oeste e do Sul.
Neste sentido, hipotéticos Estados do Pará “remanescente”, Tapajós e Carajás em nada de substancial se diferenciarão: o Zé-Povo continuará arcando com o peso de sustentar as mesmíssimas elites que historicamente usufruíram de seu trabalho. E, se vivo fosse, o sábio e conservador historiador da Amazônia poderia escrever, amanhã, sobre Santarém e Marabá, o mesmo que escreveu de Belém há meio século.
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* Santareno, é jornalista, professor-doutor em Comunicação Social e autor de vários livros.
Comentários
Reflexão pertinente, séria e com o equilíbrio que o assunto merce.
Vamos todos entrar num "freezer" e congelar hibernando até descer dos céus o filho de Deus que vai libertar o Zé-Povo do Capitalismo desumano.
As elites que falam das elites estão tão preocupadas com o povo, que é melhor deixar tudo como está, por via das dúvidas.
Se votar "não" vai ficar horrível, se votar "sim" vai ficar horrível também.
Não entendi foi nada!
Você está completamente enganado, sacou, aru?
Esse é um manifesto sim e contra a divisão, disfarçado de neutralidade, mas, convidando o Zé-Povo a ficar indeciso e jogando a população de Altamira contra Santarém.Daí, os elogios dos contrários, como você.
Isso é debate sério?
Tudo que tinha que ser debatido já foi debatido.
A sorte está lançada e não adianta estrebuchar.
A luta dos emancipacionistas agora é obter no Supremo a decisão de uma ADIN para o voto apenas dos emancipandos, como manda a Constituição.
Votos dos "diretamente" interessados, que aliás já está em pauta de votação.
A responsabilidade dos que causaram essa divisão de fato do povo paraense é que devia ser repensada.
Não acredito em uma solução pacifica, mas com uma visão mais ampla como "amazônico" temos de acreditar que a divisão política em nosso Estado, toda a região sairia ganhando: a Amazônia receberá mais recursos, a representação política na esfera federal será maior. É isso que importa!
Dividir pra somar!!!!
Kátia Maciel
Rita Sampaio