por Samuel Lima
A cobertura da crise das bolsas, que sacudiu as economias virtuais do mundo nas duas primeiras semanas de agosto ofereceu dois parâmetros de "notícia" num mesmo programa, o "Bom Dia Brasil" (TV Globo).
Vou me concentrar em dois momentos: a nota interpretada pelo repórter Marcos Losekann (de Londres, edição 13/08/2007) e o contraponto entre o texto dele e outro do jornalista, Rodrigo Alvarez (edição 17/08/2007, de Nova York).
Depois da primeira semana de "crise", Losekann (13/08) repetiu a conhecida cantilena de transformar o "mercado" em "ser midiático", dotado de sentimentos humanos. O texto é um primor de discurso jornalístico sem informação. Aliás, para ser exato, há uma única: de que o Banco Central Europeu decidira pôr mais 150 bilhões de euros à disposição dos banqueiros. Para o repórter, o mercado tinha "humor"; estava "nervoso"; ficou "aliviado" com a maciça injeção de centenas de bilhões de dólares e euros; teve "febre" na Europa e vai por aí. Informação? Nenhum vestígio...
E finaliza com incrível desfaçatez: "O que pode segurar a tendência de alta é a promessa dos bancos centrais de continuar injetando dinheiro para sufocar a rebeldia do mercado. (...) Ásia, Europa e, principalmente, Estados Unidos estão unidos nessa estratégia. Resta saber até quando – e até quanto – vai durar o fôlego financeiro. Os analistas lembram que o mercado é guloso e bastante sensível" (grifos meus).
Ora, quem é o "mercado"? Quem compõe essa elite financeira que, montada num aparato de ultratecnologia, "investe" e "especula" no território sem fronteiras das bolsas de valores de todos os tipos? Até o reino mineral, como diria Mino Carta, sabe que um número muito reduzido de megacorporações financeiras, fundos de "hedge" (seguro), fundos de pensão e previdência são os "jogadores" que determinam as regras do "jogo" no cassino financeiro global.
O discurso de Losekann passa longe dos critérios de notícia defendidos por seu chefe, Ali Kamel: correção, isenção, pluralismo, objetividade... O "jornalista-ator" Marcos Losekann encarna um novo tipo de "jornalismo": o que faz interpretação, produção de sentidos (em narração arbitrária) e representação sobre o mundo factual.
Isto fica mais flagrante ainda se comparado a outro profissional, no mesmo programa (ed. 17/08). No final da segunda semana de crise das bolsas, Losekann e Álvarez assim interpretam e representam a notícia.
Alguns trechos: Losekann - "O mercado de ações em Londres acordou de ressaca, nesta sexta-feira depois de ter registrado a pior queda da Europa: 4,1%. (...) A situação dos últimos dias, quando bancos centrais abriram os cofres e mesmo assim não evitaram a crise, mostra que dinheiro nem sempre compra a tranqüilidade do mercado"; Alvarez - "O epicentro desse terremoto financeiro são os Estados Unidos. E por essa os mercados globais não esperavam. Mas será que se pode falar em crise americana? (...) O culpado é conhecido: a ganância do setor financeiro dos Estados Unidos, que transformou empréstimos arriscados no setor imobiliário em papéis podres e contaminou o sistema financeiro. Do epicentro da crise, em Nova York, saiu a tsunami que invadiu os mercados".
Do ponto de vista da produção social de sentidos é evidente a profunda diferença entre os dois textos. Ao ler as manchetes dos principais jornais do mundo, na mesma edição (17/08), o apresentador Renato Machado deu a síntese precisa daquele momento, publicada no jornal alemão Süddeutsch Zeitung: "É o preço da ganância".
Na outra ponta dessa interação, o "telespectador" ou "consumidor de informações" que se vire como puder, engolindo o "prato feito ideológico" ou buscando outras fontes, em canais alternativos como sítios noticiosos, blogs e meia dúzia de veículos que ainda mantêm o compromisso com a verdade factual.
Resta-nos apostar na consciência crítica com a qual cada um de nós pode reinterpretar e ressignificar os conteúdos publicados na mídia, independente da orientação ideológica de origem.
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* Santareno, é jornalista, coordenador do Curso de Jornalismo do Bom Jesus/IELUSC.
Comentários
Já sei que aí vem reação e bombardeio. Mantenho, contudo, minha livre opinião. Aliás, essa a opinião geral. Não elitista. Simples, mas sincera.
Nilton Augusto Teixeira, o "NAT"
Valeu a dica. A loucura de trabalho desta semana ainda não me permitiu "folhear" com calma as edições das revistas.
Participei outro dia de uma banca de monografia (graduação em jornalismo) cujo tema era a relação entre o "Jornal Nacional" e as novelas das "20h" da TV Globo (de "América" até "Paraíso Tropical"), do ponto de vista das pautas do tipo "marketing puro", que a Vênus Platinada tenta nos impingir, vendendo notícia e entretenimento num pacote só.
O trabalho alcançou alguns resultados interessantes, cruzando dados do IBOPE com as pautas do JN, nos dois primeiros meses de cada telenovela.
Caso queiras, me escreva pro e-mail: samuca@ielusc.br que te mando cópia do trabalho.
Saudações mocorongas,
Samuca
Não está ainda. Como a monografia (TCC) foi apresentada no dia 14 de agosto, só posso conseguir - por enquanto - via e-mail.
O texto deve estar disponível, com as revisões recomendadas pela banca, no final de setembro, no banco de monografias do Bom Jesus/IELUSC (www.ielusc.br).
Abração e gratíssimo pelo retorno.
Samuca