Estado Big Brother

por José Ronaldo Dias Campos (*)

Imagine alguém lendo o seu diário pessoal, desvendando seus segredos, descortinando suas intimidades, revelando suas confidências. Pense agora você, você mesmo, que me lê neste momento, sendo monitorado diuturnamente por longo lapso temporal, via interceptação telefônica clandestina. Existe maior agressão ao direito fundamental do cidadão? Pois isso vem ocorrendo com certa freqüência.

A interceptação telefônica, permitida apenas na jurisdição penal, em caráter excepcional - é bom que se esclareça - possui duração de 15 dias, prorrogável por igual prazo, sempre mediante expressa e fundamentada autorização judicial.

Dito procedimento, incidente a um inquérito policial, tem natureza sigilosa, entretanto a mídia, com espantosa velocidade, estranhamente divulga seu conteúdo concomitantemente à ocorrência dos fatos, expondo prematuramente as pessoas à execração pública, como se condenadas fossem, com danos morais irreversíveis, malferindo o universal princípio do due process of law, bem como da inocência presumida.

A prisão temporária (filhote de preventiva), por sua vez, segrega intempestivamente pessoas para interrogá-las ou para prestar simples declarações, pelo prazo de 5 dias (30 se for hediondo), prorrogável pelo mesmo período, partindo do fim para o início (prende-se primeiro para perguntar depois); e quando reconhecidamente equivocada, não se pede desculpa, nem se pune quando realizada com acerto.

O decantado caráter pedagógico da anomalia jurídica, apregoado por autoridades com o escopo de justificar o seu habitual manejo, não convenceu nem mesmo os generais do “período revolucionário”, repudiada que foi pelo regime militar, em que pese insistentes investidas no sentido de implantá-la no sistema.

Tolerar a excepcional permanência dessa figura despótica no ordenamento jurídico pátrio só quando reconhecida à imperiosa necessidade da medida prisional cautelar, pelo conduto do Estado-juiz, obediente ao preenchimento dos pressupostos estabelecidos na norma de regência para tal fim, sob pena de banalização da medida extrema, como já está ocorrendo na prática.

Afinal, vivemos em um estado democrático de direito ou num estado policialesco?

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* Santareno, é advogado. Presidiu a OAB/Santarém.

Comentários

Unknown disse…
Imagine alguém "armando" para desviar recursos de seus impostos, escondendo suas artimanhas contra a sociedade, encobrindo suas reais intenções, subtraíndo sua maneira de conduzir negócios públicos.

Pense agora você, você mesmo que é corrupto, que me lê neste momento, sendo monitorado diuturnamente por longo lapso temporal, via interceptação telefônica clandestina. Será que vc vai continuar tramando contra os recursos públicos com a mesma sem cerimônia?

Existe maior defesa aos direitos fundamentais do cidadão que a correta aplicação os impostos que o estado retira de seu trabalho diário? Como pode haver cidadania sob a ladroagem desenfreada que subtrai os recursos da saúde, da educação, da moradia, da segurança?

Qual é a "troca" entre o estado e o cidadão, dr. Ronaldo, além do imposto e da lei?
Onde ela se materializa senão na contrapartida dos impostos, em seviços constitucionais do estado, dentre eles a distribuição e aplicação da justiça?

Pois isto ainda não ocorrendo com a freqüência a rapidez e a transparência que deveria.

Dito procedimento ( o da escuta), incidente a um inquérito policial, tem natureza sigilosa para aprofundar as investigações sem o conhecimento dos meliantes, se bem que a mídia, com espantosa velocidade - é sua característica ontológica na modernidade - por vezes consegue divulgar seu conteúdo algum tempo depois do delito, expondo ainda que tardiamente (ao delito, é claro, já consumado na maioria dos casos)as pessoas à execração pública - pelo menos isso, já que as togas raramente o fazem na última instância - a modo de uma prevenção a outros atos improbos irreversíveis, ferindo o universal princípio da lisura no trato com a coisa pública, da honestidade na gestão- o princípio da moralidade.

Quer dizer, o corrupto pode execrar a sociedade, subtraindo-lhe recursos. Já a sociedade não pode reconhecê-lo enquanto tal?


O estado de direito, dr. Ronaldo -e o senhor sabe muito bem disso - começa pelo respeito aos direitos da sociedade. Ou não é estado, coletividade.

A "estranha" divulgação pela mídia - fale mais sobre isso dr. por gentileza - intimida novos atos de corrupção, pelo conhecimento publico, pela vigilância da sociedade e pelo julgamento - este político - que a sociedade irá fazer dos autores dessa ações criminosas, bem ali adiante.

Pela coerção, absolutamente legítima, que a sociedade exerce em defesa de seus direitos. Chamemos a isso de opinião pública, senhores operadores do direito.
E tanto os senhores a conhecem muito bem que a prevêem em seus "vade mecums" na figura do clamor público.E a respeitam!


O dano moral social - que tal, dr.Ronaldo, se interrogar sobre essa categoria? - é diminuído com a legal, legítima e fundamental utilização da escuta telefônica autorizada contra a generalizada e violenta onda de corrupção que assola a sociedade brasileira, ajudando a manter a estúpida, desigual e covarde sociedade em que vivemos.

O resto é "jus sperneandi",também legítimo, embora quase sempre frágil, como uma lágrima.
Anônimo disse…
Alguns pontos abordados tanto no texto principal "Estado big brother" quanto no comentário levam-nos a pensar em que mundo vamos viver daqui em diante. Coloco aqui certos fatos que já estão diante de nós com advento da internet, do uso do celular e de câmeras de vigilância que nos deixam vulneráveis. Os celulares podem ser usados como um ponto de escuta e você terá seus comentários ou bate-papos gravados ou transmitidos para um(a) ponto/central de investigação. Portanto estamos cada vez mais sujeitos a uma situação em que dirigentes poderão usar contra nós a qualquer momento registros ligados ao nosso cotidiano.
Anônimo disse…
Entendo tanto, o Dr. José Ronaldo quanto o Dr. Juvencio de Arruda, pois o artigo públicado pelo Advogado, não se refere as pessoas a que o nobre jornalista faz um vasto comentário, mas que muito das vezes são as que mais aparecem no caso em comento. Tanto é verdade que tantos políticos nossos são pegos nessas armadilhas, e acabam se livrando, porém como toda regra, a exceções, ou seja, há pessoas que por um simples comentário a cerca do seu nome, acabam por ter sua vida vasculhada, perdem muito além de nossas palavras. Creio que não devemos ter um entendimento limitado, e sim sobrepor as diferenças, não achando que somos todos ladrões e nem que somos todos "anjos".
Unknown disse…
Só um esclarecimento: estou discutindo a questão em tese, como faz o dr. Ronaldo.
E só comentei a questão da quebra do sigilo. (ainda)Não fiz considerações sobre a prisão temporária, que também foi objeto da análise do advogado.
Anônimo disse…
Só o fato de a reflexão posta haver provocado a intervenção do grande Juvêncio, já demonstra a importância do tema, extremamente controvertido, por sinal.
Esclareço, entretanto, que não estou alheio, nem aceito os desmandos e práticas criminosas contra o cidadão, a sociedade, o estado, apontados pelo renomado publicitário.
O que critico é a banalização destes expedientes investigatórios, que em regra não resultam em nada e até promovem os indiciados ou simplesmente indigitados, exemplificando: Delúbio Soares, depois da prisão virou Pop Star em Goiânia, futuro parlamentar federal, distribui autógrafos por onde anda e passa (fonte “isto é”), Paulo Maluf (deputado federal mais votado em São Paulo), Jader Barbalho (deputado federal mais votado no Pará). Não continuo a enumerá-los para não ser cansativo.
A Operação Faroeste prendeu temporariamente no Pará mais de 20 pessoas no ano de 2004, a maioria sequer foi denunciada até a presente data.
Doutro modo, existe no sistema desde 1941 (Código Processo Penal) a figura jurídica da prisão preventiva, decretável a qualquer tempo pela autoridade judiciária ex officio ou mediante representação da autoridade policial ou do Ministério Público, reconhecidamente mais eficiente.
Por fim, o blog agradece sua participação, que enriqueceu sobremaneiramente o debate.
Abraço fraternal.

José Ronaldo Dias Campos
Anônimo disse…
Interessantíssimo o debate. A prisão de corruptos e gestores ímprobos é realmente uma resposta que a população espera da polícia, demonstrando que a Lei vigora para todos, independente da cor do colarinho de sua camisa (branco ou encardido). Ocorre que, como muito bem dito pelo ministro Gilmar Mendes do STF tempos atrás, o Brasil não pode virar um Estado Policial, em que a polícia prende o sujeito, a imprensa o "condena" publicamente com base nos indícios coletados pelos agentes policiais,
e a justiça pôe o cidadão em liberdade pelo não preenchimento dos requisítos mínimos de admissibilidade da segregação preventiva.
O cidadão brasileiro não pode esquecer que quem diz que o sujeito é corrupto ou ímprobo é o JUIZ, e somente ele. Não cabe a imprensa destruir a imagem de quem quer que seja, unicamente com base em indícios que, majoritariamente, mostram-se insuficientes sequer para a propositura da ação penal.
Não que nossos amigos repórteres devam guardar suas canetas para matérias não-políticas, muito pelo contrário, devem informar a sociedade sobre todos os fatos relevantes, mas sem extrapolar seus poderes comunicativos e expor qualquer cidadão presumivelmente inocente (como reza nossa Carta Magna no artigo 5º, LVII) à condenação pública e ao ostracismo político.

Eduardo Minuzzi Niederauer
Acadêmico do 4° ano de Direito da Universidade Federal do Pará - Campus Tapajós.
Anônimo disse…
O post e os comentários já tem alguns meses de idade, mas acho que sim, vivemos num estado Big Brother. Tanto quanto os americanos vivem em um estado Big Brother.

O problema é que uma fatia muito pequena da população consegue identificar esse problema. A maioria acha que está tudo bem, que escutas telefônicas, que cameras escondidas, que e-mails monitorados e IPs divulgados são ferramentas para o bem.

Quando notarem que o governo já está monitorando demais, será tarde demais, infelizmente.