Samuel Lima (*)
A decisão do governo Hugo Chávez de não renovar a licença da Rádio Caracas Televisão (RCTV) vem suscitando manifestações pró e contra, na Venezuela e América Latina, com repercussões em vários países. O fato é paradigmático na história das relações entre a mídia, o campo da política e a sociedade.
Em 11 de abril de 2002, a oposição protagonizou um golpe de estado contra o presidente Chávez. À frente, o empresário Pedro Carmona, o líder sindical Carlos Ortega, setores do alto comando das forças armadas e duas emissoras de televisão privada que operavam no País: RCTV e a Venevisión, do magnata Gustavo Cisneiros.
O plano do golpe era perfeito, exceto por um “detalhe”: os golpistas esqueceram de combinar com a população. Em menos de 48 horas, o presidente que já estava preso, voltaria ao poder nos braços de mais de dois milhões de pessoas, mobilizadas por uma notícia divulgada pela CNN (em espanhol): Chávez não havia renunciado. A informação furava um bloqueio midiático patrocinado pelas grandes redes, que transmitiam desenhos animados e mentiam à população.
Uma emissora de televisão resulta de concessão pública. Cabe indagar: é papel de uma empresa de comunicação ser de “oposição” ou de “situação”? A meu juízo, nos dois casos estaria desservindo ao interesse público e à democracia.
O jornal “O Estado de S. Paulo” respondeu a questão com a maior naturalidade (27/05/2007) e chamou a RCTV de “TV opositora”. Ora, como concessão pública, espera-se que uma emissora cumpra seu papel balizado por dois princípios maiores: prestar serviços de qualidade à sociedade e tratar a informação como bem público.
As emissoras de TV comerciais da Venezuela tiveram participação direta na tentativa de golpe e agiram à margem da lei. O próprio “Estadão” registra que o “protagonismo” do diretor da RCTV, Marcel Granier, no golpe de 2002, “a bem da verdade é admitido até por setores da oposição”. Não cabe a uma emissora de TV ser de “situação” ou de “oposição”. Para cumprir esses papéis, a sociedade elege líderes políticos que a representam em governos e parlamentos. A função de criticar, livre e autonomamente, governos e figuras públicas nada tem a ver com “oposição” nem golpismos.
Há uma semana, um grupo de 24 personalidades inglesas, lideradas pelo escritor Harold Pinter (Nobel de Literatura) e o cineasta John Pilger, divulgou no jornal “The Guardian” (26/05/2007) um manifesto apoiando a decisão do governo venezuelano. Junto-me a eles, compreendendo o alcance histórico desse gesto.
Diz o texto: “A decisão é legítima uma vez que a emissora repetidamente fomentou a derrubada do governo democraticamente eleito do presidente Hugo Chávez”. E indaga, em outro trecho: “Imaginem as conseqüências se se descobrisse que a BBC ou o ITV fizeram parte de um golpe contra o governo britânico”. Pergunto ainda: por quanto tempo a CNN e a Fox News ficariam no ar se flagradas pelo governo Bush em aventura similar?
O jornalista Luiz Carlos Azenha (TV Globo, http://www.viomundo.com.br/) escreve: “É interessante que nunca tenha ocorrido aos donos da RCTV que deturpar informações, omitir, mentir e violar as leis pudesse ter alguma conseqüência”. Azenha reuniu em seu blog vasto material de pesquisa sobre o tema e a íntegra do documentário “A revolução não será televisionada”, que conta em detalhes a tentativa de golpe.
Pela primeira vez, na história latino-americana recente um governo popular enfrenta o poder antidemocrático da mídia, nos marcos do Estado de Direito, a despeito de quaisquer críticas cabíveis ou não ao projeto de governo de Hugo Chávez Frias.
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* Santareno, é jornalista, coordenador do Curso de Jornalismo do Bom Jesus/IELUSC.
Comentários
Parabéns ao Dr. Samuel Lima por brilhante análise dos fatos.
Alegra-me muito ver santarenos inteligentes como o senhor, analisando criticamente ( com critérios ) a conjuntura sócio-política e o papel dos meios de comunicação na sociedade.
Everaldo Cordeiro
Pedagogo, Professor de Filsofia da Educação na UFPA em Santarém, Especialista em Cultura e Meios de Comunicação e Acadêmico de Comunicação Social no IESPES.
Temos que combater os mecanismos dessa imprensa hipócrita e tendenciosa, mas não proibi-la de se manifestar.
Por coerência, exija o fechamento da VEJA, da Carta Capital e outros veículos que semanalmente ou mensalmente pedemrespectivamente, a renúncia de Lula e a sua perpetuação no poder.
E nós, provincianos, achamos bonito o que um psedo-intelectual nos diz sabe-deus-de-onde.
Será que serei impedido de escrever neste blog porque estou tentando derrubar um de seus articulistas.
É ótimo ser estilingue...
Ao se confundirem confundem o proprio telespectador que nao tem digamaos uma cltura apropiada para enter o que e televisao o partido politico.
Pobre de nos que somos um povo sem cultura e desinformado.
Exatamente por este motivo ainda não tenho opinião formada a respeito deste tema em função das informações contraditórias que se lêem aqui e acolá.
Minha grande dúvida em relação a este caso é a aparente ausência da presença do judiciário na pendenga venezuelana e que de alguma forma respinga nos modelos tradicionais de mídia que temos em terra brasilis, assustando muita gente.
Não sei o limite desta medida ter sido uma decisão pessoal do Presidente Chaves e em que pilares jurídicos baseou-se a não renovação? Até que ponto isto é uma decisão de estado e não de governo?
Teus argumentos pró-não-renovação baseiam-se praticamente na acusação de traição ou de golpe contra o estado republicano democrático. Não seria o caso de apelar para um processo judicial contra a emissora e através de decisão judicial (que teoricamente seria isenta de ódios e preconceitos mútuos) definir do fechamento da emissora à punição, aos modos daquele país, de atos de traição e ou golpe?
A quem cabe o julgamento do que é crime contra a pátria e o que é liberdade de se opor seja como for? Mentir deve ser, mas se abster, mesmo por interesse pessoal dos proprietários de noticiar algo é crime? Afinal de contas o poder da mídia não reside justamente na capacidade de não noticiar algo principalmente no cenário político?
A mim não parece sensato deixar a decisão para a parte traída e que busca vingar-se do golpe malogrado.
Te escrevo por considerar que deves ter absoluto domínio dos fatos que levaram a esta decisão e por ser um defensor do direito à liberdade de expressão. Caso haja abusos por parte da mídia a idéia é recorrer ao judiciário e recuperar os direitos lesados, pelo menos em teoria.
Enfim, são dúvidas que ainda pairam e não encontro informações suficientes na mídia e muito menos na minha ignorância jurídica. Quem sabe algum dos muitos bacharéis de direito da cidade ajudem a elucidar algumas dúvidas.
Papagaio é elogio.
Tem gente que tem dificuldade de entender que rádio e TV não são meios de opinião, mas sim serviço público. Lugar de opinar é jornal, blog, revista, panfleto, e assim que funciona em paises democráticos (França, Inglaterra, nos EUA, na UE, na Venezuela) e deveria ser o mesmo aqui no Brasil.
O caso da RCTV não tem nada a ver com censura ou com atentado à liberdade de expressão. A emissora responde (desde 1999) a processos por sonegação fiscal, e por ter oficialmente veiculado os discursos do almirante Molina Tamayo e dos generais Nestor Gonzáles e Guaicaipuro Lameda em favor do golpe militar de 11 de abril de 2002. A lei é clara: enganar o fisco e incitar o povo a um golpe de Estado, são ações anticonstitucionais em qualquer democracia do mundo; pior ainda se tratando de uma concessão pública como as emissoras de televisão.
Acusar Hugo Chavez de autoritarismo com a “Imprensa democrática”, ou de monopolizar a informação soa ridículo até para os leigos, pois a não renovação da concessão afetou apenas uma das emissoras do grupo 1BC (1 Broadcasting Caracas), que continua operando com suas empresas de rádio, TV a cabo, internet e fonográficas.
Os números oficiais disponíveis sobre o sistema de comunicação venezuelano são eloqüentes: Das 709 rádios, 706 pertencem a empresas privadas e três a entidades estatais. Dos 81 canais de televisão, 2 são estatais e 79 privados. Dos 118 jornais, dos quais 12 de caráter nacional e 106 regionais, todos são privados.
Os canais de rádio e televisão são concessões públicas e não vitalícias, portanto sujeitas a renovação ou revogação, e devem respeitar as leis do país. O governo venezuelano resolveu não agir imediatamente ao golpe fracassado de 2002. Imaginando o cricri ideológico da mídia monopolista sobre o autoritarismo chavista, esperou cinco anos, até que terminasse o contrato da RCTV, para não renová-lo. Santa democracia!
Tibério Alloggio
A decisão foi tomada pelo Estado venezuelano.O relato está no blog do jornalista Luis Nassif (www.luisnassif.blig.ig.com.br/):
"A decisão de não renovar a concessão da RCTV foi tomada pela Comisión Nacional de Telecomunicaciones (http://www.conatel.gob.ve/), que me parece ser o equivalente venezuelano da Anatel; e foi, no último dia 25, ratificada pela juíza Luisa Estella Morales, vice-presidente do Supremo Tribunal de Justicia e presidente da Sala Constitucional do STJ. Portanto, como se vê, uma decisão nada discricionária".
Mesmo assim, a tua ponderação essencial permanece extremamente válida. O que posso te dizer é o seguinte: a RCTV já fora punida, em governos da social-democracia e democracia-cristã, nos anos de 1976, 1980, 1981, 1989 e 1991 – bem antes da era Chávez. Ficou de 24h até três dias fora do ar, cabôco! Então, os donos eram contumazes no ato de passar por cima do marco regulatório, da Constituição e das leis do setor.
Estamos falando de concessão pública, friso mais uma vez, que é uma prerrogativa de qualquer Estado democrático e, nesse caso em particular, tratava-se de uma renovação. A licença da emissora não foi "cassada" em 2002, por ocasião do golpe, mas simplesmente não renovada ao final do seu ciclo de 20 anos.
Há relatos confiáveis que a RCTV abrigou, ao longo desses mais de cinco anos após o golpe malogrado, até mesmo gente defendendo o assassinato do presidente da Venezuela. Em qualquer país democrático ela já estaria fora do ar, há mais tempo. A questão é essa: dá para minimizar uma tentativa aberta de golpe de Estado? A televisão pode se sobrepor ao poder concedente?
Por outro lado, teu lúcido comentário me permite esclarecer uma vez mais: estou discutindo um caso pontual. O projeto de governo representado por Hugo Chávez está longe de ser unanimidade, nem na Venezuela, tampouco na minha visão.
Outro fato insofismável: o atual presidente venezuelano se submeteu a nove eleições, desde 1998, (somados os plebiscitos) e ganhou todas - sob olhares atentos de observadores internacionais, incluindo-se a própria ONU. Então, não me parece plausível pregar o selo de “ditadura” em seu governo.
Por último, amigo querido (e desculpem você e os comentaristas se me alonguei): acho que o Nassif está coberto de razão quando diz que devemos buscar um equilíbrio entre os diferentes poderes, inclusive o representado pela mídia (?) - dentro do jogo democrático. Mas, aí já é território para outros mestres como Helenilson Pontes e Tibério Alloggio, no campo da ciência política e da sociologia.
Beijos no coração,
Samuca
No caso de Chaves, a mídia o massacra como fez com Cuba e está fazendo com a Bolívia. Tudo porque são os únicos países soberanos na América Latina.
A concessão é publica, portanto é do povo. Não é patrimônio privado. Chaves teve motivo de sobra para não renovar a licença. A liberdade de expressão não foi ferida porque a RCTV não ficou proibida de falar, como a Globo arrota através dos robozinhos (Wiliam Boner e Fátima Bernardes) em nossos ouvidos todas as noites. O que a Globo não quer e que lembrem que eles traíram o Brasil durante a Ditadura Militar, apoiaram o golpe e receberam dinheiro dos Estados Unidos. Ou vocês acreditam mesmo que os Marinhos cresceram vendendo jornal na rua?
Nos EUA, o fato seria uma afronta a segurança nacional. Motivo pelo qual eles justificam o cerceamento dos direitos civis e a invasão de países árabes. Então, o professor está certo e Chaves também. A propósito, alguém sabe quando é que vence a concessão da Globo e quantas vezes já foi renovada? Será que é vitalícia?
O papel de “puxar o saco” dos Estados Unidos vamos deixar para o Congresso Brasileiro.
Pelo que sei, a RCT cometeu vários delitos nesses anos todos, tendo inclusive sido suspensa por dias e horas.
O documentário "A revolução não será televiosonada" é um excelente meio de informação sobre o golpe de 2002. QUem nunca viu, é só dar uma procuradinha. Emocionante.
vai aí um link para um texto bem esclarecedor sobre concessões
http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=584
O professor está de parabéns.
Parece que as partes são apenas o Poder Político e o Poder da Mídia. Falta um terceiro elemento nesse litígio que é o Poder Judiciário. Se na época da tentativa de golpe, o “Ditador Populista” tivesse utilizado o judiciário para processar a emissora, por suas razões que desconheço, seria um ato democrático, como também, a emissora enquanto mecanismo à favor do golpe tivesse instigado o judiciário , também seria mais democrático, como foi o caso do movimento “ Fora Collor !” encabeçado pela Globo.
Percebo ha ausência do Estado de Direito na Venezuela.
Não gostaria de incomodá-los com este tipo de mensagens, mas neste momento é preciso que leiam esta informação. Não escrevo sobre boas notícias. Meu país, a Venezuela, oficialmente se tornou uma ditadura. No domingo, Hugo Chávez fechou a mais antiga (53 anos) emissora de TV do país, a RCTV, apenas porque ela era uma das mais duras críticas de seu governo, ao lado da agora única emissora independente da Venezuela, a Globovisión.
Sim, o que é normal em seus países não é no meu. Não podemos criticar este governo sem sermos rotulados como conspiradores ou criminosos. Foi um momento dramático quando, às 23h59 de domingo, a emissora desligou seu sinal após a execução do hino nacional. O governo de Chávez agora é dono de uma emissora multinacional de TV, a Telesur, três redes nacionais de TV - VTV, ANTV e VIVETV - e mais a nova, TVEs, que substituiu a RCTV. Isso perfaz um total de quatro canais nacionais de TV, além de centenas de estações “comunitárias” de televisão e outras centenas de emissoras de rádio.
Toda essa mídia governamental não está sendo usada para fins educacionais ou serviço público. Não estamos falando da BBC de Londres ou da TVE na Espanha. A mídia do governo está sendo usada para difundir propaganda comunista. Nenhum líder da oposição pode ser entrevistado por esses canais de TV e manifestações de pessoas contra os mesmos problemas que nosso país sempre teve não são mostradas por suas câmeras. Se virem os programas dessas emissoras, pensarão que a Venezuela é um paraíso.
Estamos fazendo tudo que podemos para preservar o último sopro de vida da mais antiga democracia da América Latina. Passei o sábado e o domingo em protestos contra o fechamento da RCTV. No domingo, todas essas manifestações foram dispersadas porque a polícia começou a atirar contra nós. Mas os estudantes universitários ainda estão nas ruas. Continuamos a lutar e a nos postar contra essa ditadura que, esperamos, vai acabar mais cedo do que tarde.
Só peço que espalhem esta mensagem: Chávez não pode ser visto como um líder democrático. Vocês devem se lembrar o que aconteceu com Hitler, que também foi eleito. Novamente, peço desculpas.
Mais um link para contribuir com o debate (aos leitores que realmente estão a fim de dialogar sobre o assunto).
Trata-se de um artigo do jornalista Bob Fernandes, editor do sítio "Terra Magazine", do portal Terra (www.terra.com.br). O texto “Venezuela: mídia e RCTV, hoje e no golpe de 2002” foi postado nesta terça (05/06), às 14h03min.
Segue o link: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1667158-EI6580,00.html
Em tempo: Bob está escrevendo um livro, para a Ediouro, reportando toda a história do malfadado golpe de estado, em abril de 2002, naquele país.
Abraços fraternos, mano velho!
Samuca
Um dos articulistas do Pravda no Brasil, deve citar o artigo em matéria que já está sendo redigida.
Depois enviarei o link.