Pensata

Eu desisto

Grazziano Guarany (*)


Quando pequeno sonhava que a minha cidade seria um dia igual àquelas das cartilhas em que estudávamos. Pensava no meu bairro com ruas calçadas e árvores verdinhas. Imaginava meus amigos e eu brincando de bicicleta, ou jogando bola numa quadra na pracinha do bairro.

Passados trinta anos, nada disso aconteceu. Meu velho bairro continua com a maioria das ruas - enlameadas, cheia dos mesmos “areiões”, onde os carros atolam, ou então sumindo no mesmo velho “poeiral”. É verdade que algumas poucas foram asfaltadas, mas essas estão ou cheias de buracos ou todas remendadas, dando a impressão de que os buracos foram virados de “boca pra baixo”.

Hoje, com meus 36 anos, já não acredito que meus netos brincarão num bairro como sonhei, a não ser é claro que meus filhos se mudem para alguma cidade do interior do Rio Grande do Sul ou Santa Catarina. Em Santarém, repito: já nos tiraram o direito de sonhar com uma cidade urbanizada, limpa e organizada.

Sabe, pessoal, parodiando o poeta: eu aceito o argumento, mas não maltrate a nossa inteligência tanto assim. Tudo bem que não tenhamos dinheiro suficiente para toda a infra-estrutura da nossa inchada cidade. Tudo bem que qualquer rua que se vá asfaltar tenha quilômetros e quilômetros de extensão, tudo bem. Mas, poxa, num dá pra fazer um asfalto que dure um pouquinho mais?

Se não dá pra asfaltar não seria bom pelo menos definir os limites das ruas e dos terrenos para que se pudesse ao menos fazer uma sarjeta pra lama não se espalhar no meio da rua? Avenida Anysio Chaves, tudo bem, não dá pra fazer a obra toda? Não seria possível plantar as árvores para que elas já fossem crescendo?

Eu não estou falando aqui de corrupção ou desvio de verba, estou falando de falta de planejamento, falta de bom senso, falta de boa vontade, falta de interesse.

Não vejo nenhuma atitude pra evitar que outras praias sejam transformadas em bagunça igual à praia do Maracanã, ou que viabilize uma utilização organizada de nossos recursos naturais. Até ouço boas idéias soltas de um ou outro, e até bem intencionados manifestos publicados, mas nada toma corpo.

Tenho certeza que vou ser repreendido por alguns e achincalhado por outros, mas simplesmente eu desisto de acreditar que isso vai mudar algum dia, simplesmente porque não vejo nada sendo feito pra isso. Resta ainda a esperança de que alguma coisa me faça mudar de idéia.

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* Santareno, é consultor de informática.

Comentários

Anônimo disse…
Gostaria de parabenizá-lo pelo texto.
Acho que o mesmo reflete o sentimento de muitos filhos de Santarém que sempre sonharam em dias melhores para sua cidade e vêem o contrário acontecer a cada ano que passa.
Eu continuo achando que, enquanto a população não conhecer ou sentir o que é viver em um local limpo, bem apresentado, onde não se tenha que andar entre carros, bicicletas, motos, carroças, por falta de calçadas, em vias (que não podem ser chamadas de ruas), vão continuar achando normal esse tipo de situação.
E enquanto essa mesma população achar normal andar com água até os joelhos em dias de chuva, pisar em esgoto no centro da cidade, ter de se arriscar em sistema de transporte inseguro por falta de sistema de transporte coletivo de boa qualidade, nada disso vai mudar, porque não verá motivo para protestar.
Um bom exemplo disso é a acomodação perante a desrespeitosa inoperância do HR. Onde estava a grande massa da população, atingida pela falta de atendimento hospitalar digno, no dia do movimento em frente ao Hospital Regional?
Porque ninguém reclama? Será porque o nível de acomodação está tal forma que estão satisfeitos com o serviço de saúde pública oferecido na região e não estão nem aí se o HR vai abrir ou não?
Até quando esse marasmo perdurará em Santarém? Até quando todos vão achar normal viver em uma cidade com um trânsito caótico, sem ruas, sem água encanada, sem esgoto, sem transporte coletivo de qualidade, sem saúde, e sem amor próprio?
Acho que eu também estou perdendo as esperanças.
Anônimo disse…
Grazziano,

os sonhos não são só seus. Sem eles, morremos todos. A nossa geração tem responsabilidade com a cidade. Por isso, não desista. Grande abraço, Helenilson
Kátia Maciel disse…
Grazziano,

Compreendo bem a tua angústia ao ver que nada muda e que o comodismo da maioria atingiu um grau elevadíssimo contribuindo pra inércia e degradação em todos os níveis. Mas desistir só vai ajudar aqueles que ganham com a situação do jeito que está. Sem gente para questionar fica mais fácil manter o ganho e os privilégios de poucos em detrimento do resto da população. Eu sei que o desânimo vai se instalando à medida que vemos que o tempo vai passando e as coisas vão regredindo, mas não podemos deixar de questionar, perguntar, exigir...enfim, nos manifestarmos de alguma forma contra o sistema instalado.

Precisamos contar com mentes inteligentes como a tua!

Um grande abraço!
Anônimo disse…
Em Santarém nascí.
Em Santarém vivi minha infância.
Em Santarém vivi minha juventude.
Em Santarém namorei pela primeira vez.
Em Santarém me batizei me crismei.
Em Santarém tive e tenho muitos ammigos.
Em Santarém perdí e enterrei meus pais.
Em Santarém trabalhei.
Em Santarém me casei e tive meus filhos.
Em Santarém ví os meus sonhos se perderem no tempo.Um sonho bonito!
Sonhava com uma cidade próspera onde os seus filhos não tivessem que sair, para se formar numa faculdade, não tivesse que sair para se tratar em Belém ou Manaus.Uma cidade limpa e indices de violência baixissimo. Uma cidade onde os gestores transformassem num modelo.
De uns tempos pra cá Santarém perdeu tanta coisa!
Perdí as esperanças e fui embora pra muito longe, pra quem sabe um dia voltar, nem que seja pra abraçar os amigos ou descansar em paz.É de fora que percebemos que Santarém "perdeu o bonde", parou no tempo e em muitas coisas até retrocedeu.Torço para que um dia isso se modifique, por enquanto só me resta continuar sonhando e vivendo num paraíso emprestado.
Aldrwin Hamad disse…
Guarany, já te dei os parabéns pessoalmente pelo texto que reflete o sentimento de muita gente que aqui está, que saiu e que não quer voltar ou que está no limite da paciência e do desânimo.

Nos falta muita coisa, é verdade. Falta bom senso, falta iniciativa, falta competência, falta conhecimento, falta controle, falta ação.
O caos urbano atual ocorre porque em algum momento, em gerações passadas, outros tantos que poderiam fazer a diferença também desistiram, se omitiram, se acomodaram ou pela sede de poder e hoje colhemos o resultado de descasos, roubos, desvios e principalmente, do mais grave dos crimes que é a omissão coletiva e a incapacidade de indignação diante de lama, esgoto, urubus, hospitais fechados ou ameaças. E veja voce que estamos falando de DIREITOS e não de favores.

Assim que voltei pra Santarém me surpreendi como entidades inteiras conseguiam se mobilizar com veemência contra ou a favor da permanencia de Empresas ou ONGs enquanto saltam sobre esgotos a céu aberto, não conseguem andar 1km sem trepidar e não temos sequer água e esgoto tratados mas lutam com fervor e energia por algo que muitas vezes não lhes trará nenhum benefício ou retorno direto. Se a mesma energia fosse usada para exigir dreitos básicos, boa parte dos problemas seria resolvido.
Se a noção de que o público é de todos fosse disseminada, a postura da sociedade diante de governos e do bem comum seria outra.
Nossa omissão coletiva não pode gerar resultados diferentes. Nada contribui mais para o que há de mais podre, imoral e ilegal em um regime democrático do que o silêncio das pessoas diante de arbitrariedades e atrocidades.

Desistir e ir embora é fácil e cômodo. Há centenas de cidades no Brasil e no Mundo com tudo que Santarém não tem, mas pouquíssimas tem o que Santarém tem. Falta muito pouco para ter o que precisamos.

Enquanto não nos conscientizarmos que é nosso dever pelo menos desabafar como voce fez nesse seu texto, desmotivando alguns, mas dando ainda mais energia para mudar para outros, esta linda cidade continuará indo ladeira abaixo, sem objetivos, sem metas e sem futuro.
Apesar de vocês (a todos que contribuiram ou contribuem para a decadência e abandono da Cidade), Amanhã há de ser outro dia!

Te escrevo pra te convidar a não desistir, a não deixar de sonhar com uma cidade que só precisa do que tu realmente falaste: Planejamento nos sentidos mais amplos e plurais que esta palavra representa. Não deixe que ninguém arranque os seus sonhos ou te proíba de sonhar. Lembre-se que sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade.
Anônimo disse…
RESISTIR E NÃO DESISTIR

Sinto-me envergonhado de lê tanta verdade, pois esse descaso contribuio e prejudicou diversos amigos, e além do mais, pouco se fez prá reverter esse quadro.

Embora a natureza tenha sido generosa com a nossa sociedade, o estado deixou há desejar.

Além disso, vergonha maior é ver a continuidade do passado sem perspectiva do presente.

Em virtude dos fatos mensionados, somos levados á acreditar em mudanças, e por esse motivo vamos ter que RESISTIR e não DESISTIR, é a nossa obrigação com a nossa sociedade.

gtlimaam@ig.com.br
Anônimo disse…
QUERIDO GRAZZY.
Acredite...continue acreditando e sonhando, não esmoreça nunca, pois seus sonhos ainda se tornarão uma linda realidade. Esta cidade ainda é e vai ser eternamente " nossa terra tão querida, nosso encanto e nossa vida ".
Contribua com seu talento, com sua inteligência ímpar, para o crescimento ainda maior, mesmo que desequilibrado, deste nosso amado torrão natal. Tenho certeza absoluta de que Santarém ainda nos dará muita alegria, prazer e satisfação.
Jorge Cavalléro
Anônimo disse…
Amigo Grazziano,

Anos 70 nossa infância.
Anos 80 nossa adolescência.
Bons tempos àqueles que nem percebíamos os problemas em nossa cidade... Apenas sonhávamos!

Na época dos estudos, passei poucos anos fora, pois não aprendi a viver longe das nossas praias banhadas pelo rio Tapajós.

Embora nossos recursos naturais sejam fartos, nossos recursos financeiros são minguados pra uma cidade inchada e sem uma economia que gere empregos e impostos.

Só nos resta voltarmos a velejar por essas águas cristalinas contemplando nossas maravilhas naturais e acreditar que um dia nossos sonhos se realizem.

Quem sabe um dia aqui venha a ser uma cidade modelo. Por enquanto a beleza mora ao lado!

Um grande abraço amigo!

Andrei Malheiros
Anônimo disse…
Já sei!
vamos criar uma ONG!

Que tal uma ONG em defesa do planejamento urbano de nossa cidade; em defesa da recuperação de nossas ruas; em defesa da criação de calçadas; que proiba as embarcações de jogarem lixo e fezes na frente da cidade etc.

O problema que não teremos como buscar recurso para criar e manter a nossa ONG.

Quem lá fora vai ter interesse???
Anônimo disse…
Anônimo amigo do dia 28, 22:48hs.

Há responsabilidade é do estado em geral, querer criar ONGs, é se comprometer com os interesses de terceiros.
Há mudança estar na vontade de mudar de cada um de nós, a máquina do município tem que ser reformada, e preciso ter coragem, apoio popular, e bom senso, para realizar essas mudanças estrutural caso contrário o interesse da maioria ficará comprometido.
Conhecer melhor nossa capacidade de executar, é obrigação de todos os futuros candidatos, os futuros tem que mostrar conhecimento da realidade local, o partido político é o meio de chegada, não é 100%, brigar por legenda e tolice. Há proposta detalhada de cada candidato é que vai fazer o diferência.

gtlimaam@ig.com.br