Pensata

Mídia e crime organizado


Samuel Lima (*)


A prisão de três desembargadores, um juiz do trabalho, delegados e bicheiros no dia 13 de abril resgata o tema do crime organizado aos espaços midiáticos. Numa operação apelidada de "Furacão", a Polícia Federal deteve 25 pessoas acusadas de comércio de decisões judiciais, corrupção, jogo ilegal e contrabando. Observemos a cobertura nas revistas semanais (edições de 25/04/2007).

Na "Veja" rendeu matéria de capa, com título ambíguo: "Bingo!". Na linha de apoio a revista tasca o clichê "máfia dos juízes do jogo", indicando sua opção pela simplificação. Em sete páginas da reportagem fica evidente a presunção de culpa generalizada. Mas não há corruptores nas páginas de "Veja", exceto a empresa Betec Games e os chefes do bicho do Rio.

Na conclusão, a revista pondera em defesa da "credibilidade do Judiciário" – que, a meu juízo, é de longe, o poder mais obscuro de todos: não tem CPI, as prerrogativas são vitalícias e as corregedorias nunca condenaram nenhum juiz na história republicana.

"Veja" usa ainda a fala do presidente da Associação Brasileira de Magistrados (AMB) para minimizar o acontecimento: "Considerar que o Judiciário, que tem 13 mil juízes está podre, por causa de meia dúzia de magistrados, não condiz com a verdade".

A revista "Época" publicou três páginas detalhando a operação: da prisão dos acusados à execução de 70 mandados de busca e apreensão – incluindo mais de R$ 20 milhões em espécie. Para o ministro Paulo Medina (do Superior Tribunal de Justiça) valeu a máxima da impunidade: o Supremo Tribunal Federal, apesar das fortes evidências, não autorizou a prisão de Medina. Afinal, nem todos são iguais perante a lei; alguns são mais iguais, como diria Oscar Wilde.

Na "IstoÉ" o assunto só rendeu duas páginas, destacando o envolvimento do ministro Medina. No texto, o reconhecimento de uma velha novidade: "A operação Hurricane (furacão em inglês) trouxe mais uma vez à tona o envolvimento umbilical de juízes com o crime organizado".

"CartaCapital" também publica matéria de capa e narra como a PF "estancou o vazamento de informações" que poderia ter impedido a "maior operação contra o crime organizado" no País. Em sete páginas a revista vai do factual à contextualização do crime organizado transnacional. Neste sentido, oferece ao leitor um mínimo de compreensão sobre tema tão complexo. Um artigo brilhante do juiz aposentado Wálter Maierovitch analisa a conexão entre o bicho carioca e a Cosa Nostra siciliana: "A partir do Rio, narcotraficantes da Colômbia e a Cosa Nostra lavavam dinheiro sujo", usando o esquema do bicho como "suporte".

"Carta Capital" informa os nomes de todas as autoridades acusadas e a relação das empresas corruptoras – que supostamente compravam sentenças favoráveis ao bingo e jogo do bicho.

O que se espera da cobertura da mídia é um máximo de investigação séria e profunda, evitando o caminho fácil do espetáculo e da simplificação. A pesquisadora inglesa Diane Coyle estima que só o narcotráfico mexe com cifras superiores a US$ 400 bilhões de dólares por ano, empregando perto de 20 milhões de pessoas e "atendendo" um "mercado" que chega a 100 milhões de seres humanos, metade dos quais nos Estados Unidos. Supera, no "faturamento", a indústria do petróleo.

O crime organizado é hoje um negócio mundial, que ameaça as bases do Estado democrático de direito, sob as bênçãos dos deuses neoliberais.

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(*) Santareno, é jornalista, doutor em mídia e teoria do conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Curso de Jornalismo do Bom Jesus/IELUSC.

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