O PIB santareno cresceu. E daí?




Comentário/ editorial do padre Edilberto Sena no Jornal da Manhã (Rádio Rural AM), de hoje:

O PRODUTO Interno Bruto (PIB) do município de Santarém quase duplicou nos últimos 4 anos, afirma o pesquisador da economia muncicipal. Isto é, a produção industrial, de serviços, mineral e agrícola foi muito maior nesse período do que antes. Só uma grande empresa da cidade afirma que gerou mais de 15 milhões de reais em impostos ao município nos últimos 3 anos.

Nesse aumento de produto interno, se inclui a agricultura familiar. Também esta, segundo o pesquisador, duplicou nesses anos. Isto é confirmado pelo número de bocas que são alimentadas, que também aumentou bastante. Quem fornece o feijão, a farinha, o peixe, os legumes e as frutas, mais de 25 produtos da mesa familiar, é a pequena produção.

Toda essa fartura do PIB santareno está à vista nos mercados livres, nas bancas de peixe e carne, nos navios transportadores que chegam vazios e saem carregados, embora muitas famílias da cidade não possam comprar muito do que necessitam.

E AÍ, a população se pergunta: mas quem está usufruindo de todo esse recurso gerado pelo PIB municipal? O governo federal, com certeza, como confirma a Receita Federal. Santarém é o 2º município de maior arrecadação de impostos no Estado, naturalmente que esse dado é porque a Receita Federal de Santarém abrange outros municípios também produtivos. Se é alta a arrecadação de impostos, portanto o PIB justifica.

Mas, por que tanto desemprego e sub-emprego e biscaiteiros e trabalhadores sem carteira? E por que as estruturas de assistência à saúde, do transporte e da urbanização da cidade estão tão pecárias? Esse PIB certamente não está perdido. Alguns estão usufruindo.

Por outro lado, a agricultura familiar, essencial para a sobrevivência de todos, não é prioridade nas ações dos governos. Basta escutar as inúmeras reclamações quase diárias dos pequenos produtores rurais sobre estradas intrafegáveis, dificuldades para financiamentos e falta de assistência técnica. Quanto clamor e indignação pelo abandono em que vivem.

se pergunta: para que crescimento de PIB se poucos usufruem?

Comentários

Anônimo disse…
Boa pergunta Edilberto,

As diferentes esferas governamentais deveriam pelo menos tentar refletir sobre esses dados.
Crescimento e Desenvolvimento não significam a mesma coisa, o Crescimento tem a ver com a quantidade, o Desenvolvimento com a Qualidade e a Governança do processo.
Muita gente, principalmente os economistas, confunde o conceito de “desenvolvimento” com o crescimento econômico. O Brasil cresceu nesses últimos 3anos e a Amazônia também. A nossa Região, Santarém e os outros Municípios também cresceram, mas a governança do processo e a distribuição dos benefícios não acompanhou esse crescimento, piorando os problemas sociais e ambientais.
Apesar do Brasil, ter invertido positivamente a linha do Crescimento Econômico, o país continua vice-campeão mundial de concentração de renda e desigualdade social.
Nos últimos anos, também acompanhamos o rápido “crescimento” do nosso Município. A expectativa do asfaltamento da BR163, a implantação da Cargill, tornou a nossa região uma “nova fronteira”, trazendo pra cá, agricultores, empresários, e até aventureiros e grileiros, para lucrar com essa perspectiva. Empresários do Agro Negocio e dos Serviços instalaram-se no município. Pressionados pelos “novos” produtores rurais, muitos pequenos produtores, venderam ou perderam suas propriedades vindo a engrossar as áreas urbanas.
A cidade toda cresceu com a mesma estrutura dos anos 90’, enquanto as demandas para serviços multiplicou-se assustadoramente, deixando um déficit de governança, que o poder publico não consegue sanear. Esse “crescimento desgovernado” gerou um grande impacto na região e no município. O crescimento econômico por si mesmo, se reverteu em um aumento dos custos sociais e ambientais.
O governo precisa, mas nos também precisamos discutir melhor o que significa crescimento econômico, o que significa desenvolvimento. Um modelo de desenvolvimento que concentra renda, terra, recursos, gerando passivos econômicos sociais e ambientais altíssimos, torna-se insustentável e não pode interessar ao conjunto da nação brasileira e muito menos ao conjunto social da nossa região. Temos que aproveitar da oportunidade que os efeitos negativos do agronegocio abriram na sociedade santarena, para fazer essa discussão, pois precisamos sim de crescer, desenvolver, mas de forma ambientalmente sustentável e socialmente justa.
Tiberio Alloggio
Anônimo disse…
Parabéns tanto ao Padre Edilberto quanto ao Sociólogo Tibério. Um bom questionamento sobre uma notícia aparentemente positiva.

A ausência aumento de qualidade de vida da população em relação ao aumento do PIB faz acender uma luz de emergência em nossas mentes e nos incita a questionar a validade do modelo de desenvolvimento adotado.

Santarém tem uma economia muito similar à economia colonial. Costumo dizer de brincadeira que estamos ainda no século XVII ou seja numa era pré-industrial.


Nossas maiores fontes de riqueza estão baseadas em processos extrativistas de baixíssimo grau de inserção tecnológica e agregação de valor. Quanto menor for o grau de inteligência em nossos produtos, menores serão os ganhos e por conseguinte, teremos que extrair mais e mais para compensar o investimento, do minério à madeira, passando pela monocultura. Podemos ter monocultura aqui, sem dúvida, mas somente se houver verticalização e agregação de valor (vide curauá).


Os nossos inumeros ciclos economicos ainda não nos fizeram acordar para a solução!


A solução é relativamente simples, os famosos países desenvolvidos encontraram o caminho. Se o modelo consumista está certo ou não, não é o caso de discutir aqui, mas fica claro que os cidadãos daqueles países tem uma qualidade de vida muito superior à nossa.


A justiça social tão almejada e defendida somente será alcançada quando nossos produtos potencialmente valiosos como a madeira, minérios e produtos agrícolas sofrerem transformações adequadas, ou seja, inserção tecnológica na cadeia produtiva, não somente agregando valor, mas criando um ciclo produtivo que permita oferecer oportunidades de emprego e renda para um maior número de pessoas.


Infelizmente, enquanto não houver um investimento maciço em educação tanto básica quanto na tecnológica, principalmente aqui na região, continuaremos brigando por migalhas e tentando tampar os furos de uma represa com pedrinhas. Inevitavelmente a água passará, com mais ou menos dificuldade, mas passará.

Um PIB baseado em extrativismo de larga escala e em exportação de monoculturas com grau zero de beneficiamento, dificilmente gerará o desenvolvimento esperado, gerando lucros sim, mas com um potencial muitíssimo menor ao que poderia ter se houvesse maior agregação de valor.