Artigo

Me sangra, madeireiro ilegal





Benedicto Monteiro (*)


Me sangra, madeireiro ilegal. Pensas que derrubando uma árvore de grande porte, estás clareando o tempo, penetrando o sol dentro das folhagens. Secando a terra e afastando os verdes pra nunca mais.

Quantas árvores menores, plantas e ervas e redes de cipós, são mortos nas caídas das árvores derrubadas? Quantas folhas, flores e sementes caem e desaparecem, no ferrenho grito das motoserras? E quanta seiva, látex, lágrimas se espalham sem deixar vestígios na foto síntese? A árvore imensa está morta.

Nem deu tempo de escutar o canto dos pássaros, o zumbido dos insetos, o farfalhar das asas minúsculas que conduzem o polem. Nem deu tempo de escutar os estalidos dos cipós, quebrando os seus mil torcidos de ramagem. Nem deu tempo de sentir a respiração das folhas e das flores.

E o vento e o sol e a chuva, que cobriam todos os galhos? Como vão pousar, soprar e cair no clarão da floresta? Golpes de machados e rangidos de motos serras ficarão sendo sons iníquos, enquanto o suave filtrar da mata virgem se cruzará com o suor dos operários.

Quem é capaz de comparar a vida de sacrifício dos desmatadores, no trabalho escravo, vitimas dos desgovernos, no centro da mata mais longe e mais espessa, com o sacrifício da vida de todos os outros seres? Quantos morrem? Quantos morrem? Nos golpes dos machados e das motos serras? E depois, quando o fogo queima o resto da mata em terríveis labaredas? O vento, aí, mistura-se com o fogo e penetra em todos os vãos da mata esquartejada. Deixa a terra negra sangrando de secura.

Será que nunca um madeireiro ilegal conseguiu conceber o sacrifício da mata, o estertor de uma floresta, a agonia das pequenas plantas? E o tremor da terra, que é arrancada nas suas mais íntimas entranhas? E os rios, os furos e igarapés que perdem a sua cobertura e secam cada vez mais com o sol? Não sei que concepção os madeireiros têm da Vida. Será que eles pensam apenas que a sua vida é a única e primeira? E que só a ela é permitido viver neste planeta?

Rios que deságuam com as balsas cheias de madeira roubadas, estradas que se abrem para os tratores e caminhões penetrarem e devassarem as florestas. Florestas que se extinguem para dar lugar aos serrados, ou aos campos de capim plantados para o gado.Manchas, não, áreas enormes, despidas das vidas visíveis e invisíveis, dos milhares de biodiversidades.

Aviões que pousam em aberturas escondidas das matas, e estradas que só os tratores podem passar.

Me sangra, me queima e me mata, madeireiro ilegal. Os governos e os fiscais se debatem entre papeis burocráticos, ou recebem o dinheiro para deixar a madeira passar.

Meu corpo aqui na Amazônia, é imenso, só as cidades se constroem com os homens para durar. A vida visível e invisível das matas virgens é roubada, ou soprada com os ventos e queimada pelo fogo ou pelo sol. Já sinto falta das chuvas para mim, para os homens e para os rios que vão secar.

------------

(*) Escritor e jornalista paraense nascido em Alenquer. Escreve regularmente neste blog.

Comentários