Entrevista

"A MP do Bem faz mal"



Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no final do mês passado, a chamada MP do Bem é um engodo. E vai empobrecer ainda mais os municípios brasileiros. A avaliação é do advogado e livre-docente em Direito Tributário Helenilson Pontes.

A MP (Medida Provisória) prevê benefícios fiscais para exportadores, vendedores de imóveis, compradores de microcomputadores, municípios que possuem débitos com a Previdência, produtores de leite, micro e pequenas empresas, entre outros.

Para o tributarista santareno, com escritórios em São Paulo, Belém e muito breve em Santarém, os maiores beneficiados com a MP foram “alguns grupos exportadores do país, empresas que desenvolvem ciência e tecnologia, e produzem computadores e algumas pessoas físicas que pretendem vender imóveis por valor acima do preço de aquisição e não desejam pagar imposto de renda”.

O único benefício para os municípios foi amplia de 60 meses para 240 meses o prazo que as prefeituras tem para parcelar a dívida com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).


A MP do Bem vai fazer bem para os municípios?

A Medida Provisória do Bem foi anunciada pelo Governo Federal como um grande programa de desoneração tributária. No entanto, ela representa mais uma diminuição nas verbas de que dispõem constitucionalmente os municípios. É uma pena que muitos gestores municipais ainda não perceberam isto. A Constituição Federal garante aos Municípios 22,5% do que a União arrecada a título de imposto de renda e IPI e a MP do Bem contempla uma série de benefícios de imposto de renda, ou seja, o Governo Federal vende para a sociedade a idéia de que está reduzindo a tributação da sociedade, mas no fundo está fazendo continência com chapéu alheio, porque os municípios, sobretudo os mais pobres, também estão pagando a conta da demagogia federal.


Qual o impacto dessas medidas nas finanças municipais?

É muito grande. Quanto mais pobre o município, mais dependente é das transferências constitucionais obrigatórias. Toda vez que o governo federal desonera algum setor de tributação de Imposto de Renda ou de IPI, como fez agora através da MP do Bem, diminui naturalmente os valores de que dispõem os municípios para atenderem às necessidades da população. Importante observar ainda que os municípios das regiões norte, nordeste e centro-oeste são ainda mais afetados com esta política federal de desoneração porque a Constituição assegura também a estas regiões, além do Fundo de Participação nos Municípios, mais 3% da arrecadação de Imposto de Renda e IPI destinado à aplicação em programas de financiamento do setor produtivo nestas regiões. Ou seja, nós da Amazônia somos duplamente afetados de forma negativa.


Por que a União age assim?

A União age assim porque simplesmente é mais fácil fazer política reduzindo o montante que tem que distribuir com outros entes federados do que diminuir receita que lhe é exclusiva, como aquela auferida com as contribuições sociais, como PIS, COFINS e CPMF. Veja que apesar de todas as reclamações do setor produtivo, não se vê, por exemplo, qualquer iniciativa federal no sentido de reduzir a CPMF. A razão está na titularidade exclusiva da União sobre a verba arrecadada com este tributo.


Qual o caminho então?

Temos que lutar em duas frentes. Uma primeira no sentido de obter compensações proporcionais para as reduções tributárias que a União promove nos tributos que compõem os Fundos Constitucionais de Participação. A União Federal não pode, através de Medida Provisória, promover verdadeira fraude da ordem constitucional de transferência de recursos do IR e do IPI para os outros entes federados. E de outro lado, perseguir uma participação dos municípios no produto da arrecadação das contribuições, maior fonte de arrecadação de tributos hoje no Brasil, tendo em vista o interesse da União em arrecadar mais esta espécie de tributos porque atualmente não tem a obrigação constitucional de dividi-los com os Estados e Municípios.


A MP do Bem fez bem pra quem, então?

Para alguns grupos exportadores do país, empresas que desenvolvem ciência e tecnologia, e produzem computadores e algumas pessoas físicas que pretendem vender imóveis por valor acima do preço de aquisição e não desejam pagar imposto de renda. São medidas compreensíveis do ponto de vista econômico, mas me recuso a considerá-las "medidas do bem", a merecerem a saudação geral da Nação, sobretudo porque antes delas o Governo Federal aumentou sucessivamente a carga tributária, inclusive através da criação de um novo tributo sobre o consumo, um autêntico ICMS Federal, relevantíssima fonte de renda para a União, que contou com o inexplicável silêncio dos Estados e Municípios, que é o chamado PIS-COFINS não cumulativo, tributo que incide à alíquota de quase dez por cento sobre todas as receitas auferidas pelas empresas. O Governo Federal adota a tática de aumentar a tributação de todos, para em seguida, dispensá-la de alguns, e ainda vende esta dispensa como o bem para a Nação. No fundo, a MP do Bem é mais um grande feito da propaganda federal.


Ela não representa nenhum tipo de avanço na complicadíssima legislação tributária brasileira?

A meu ver, o único avanço relevante para o país é a desoneração da importação de bens de capital. Veja que o que considero avanço nada mais é do que a correção de uma distorção que jamais deveria existir. Como pode um país querer crescer e produzir se a importação de bens de capital (máquinas e equipamentos) é tributada? Só uma política oblíqua e atrasada é que sustenta a tributação sobre estas importações. E no Brasil, nós temos esta situação. Ou seja, avançar é simplesmente recuar em um erro crasso de visão de política tributária que deve estar comprometida com o crescimento do país.

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