Artigo

Crença nos homens públicos abalada




Helenilson Pontes (*)

O efeito mais danoso para a democracia causado pelo atual momento político vivido pelo Brasil é a perda da já desgastada credibilidade dos homens públicos. Uma sociedade democrática precisa acreditar na honestidade e na capacidade de liderança e criatividade dos homens que regem os seus destinos.

No momento em que todos, representantes do Poder Executivo, Poder Legislativo e até do Poder Judiciário passam a ter a sua conduta ética posta em dúvida pela imprensa e pela sociedade em geral é sinal de que vivemos momentos perigosos. A crise não me parece que seja das instituições republicanas, as quais continuam a funcionar sem atropelos, mas, sobretudo, da crença do povo nas pessoas que optam pela vida pública, nas suas diferentes dimensões, executivas, legislativas e jurisdicionais.

A capacidade de comando das decisões tomadas pelos representantes do Estado apóia-se na legitimidade que estes conquistam junto à sociedade, e o nível desta legitimidade será proporcional à maior ou menor aceitação das decisões estatais pelos destinatários destas.

Em outro dizer, o povo só aceita decisões estatais se reconhece credibilidade em quem as toma. A atual crise começou com denúncias envolvendo altas e relevantes figuras do Poder Executivo central, espraiou-se rapidamente por lideranças expressivas do Poder Legislativo (até um recente ex-presidente deste Poder está no momento sendo julgado por falhas éticas que teria cometido), chegando inclusive ao órgão máximo do Poder Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal, que desde os seus primórdios sempre teve uma credibilidade intocada perante a sociedade brasileira, sofre abalo na sua autoridade moral - fundamento da legitimidade das suas decisões. Este Tribunal que sempre passou ao largo dos conflitos políticos no Parlamento, adotando uma tradicional jurisprudência de considerá-los assuntos legislativos “interna corporis”, rompeu com tal tradição e vem tomando decisões que influem decisivamente em questões internas do Poder Legislativo. Este é um fato.

Independentemente do mérito das decisões que vêm sendo proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - cuja complexidade reflete-se inclusive no placar sempre majoritário e apertado das votações -, a verdade é que aquela Corte passa a viver um novo momento do ponto de vista da sua posição no contexto do equilíbrio entre os Poderes.

E é esta nova postura do Supremo Tribunal Federal - não por acaso no momento sendo presidido por um ex-parlamentar que não nega expressamente o desejo de voltar à luta política em breve tempo - que vem trazendo de volta o debate acerca dos critérios para a nomeação de juristas de reputação ilibada e notório saber jurídico.

No momento em que os julgadores, fiéis da balança na sociedade democrática, começam a ter os seus critérios éticos de julgamento postos em dúvida, é hora de discutir os fundamentos de seu poder.

O senador Jefferson Peres, figura ímpar no Parlamento brasileiro e que permite manter acesa a crença nos valores da vida pública, renova o debate propondo emenda constitucional segundo a qual os ministros do Supremo não mais seriam indicados pelo presidente da República e referendados pelo Senado Federal, como ocorre hoje, mas passariam a ser eleitos pelos próprios ministros daquele Tribunal dentre uma lista sêxtupla, formadas por dois representantes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, dois indicados pelo Ministério Público e dois indicados pelos magistrados.

Com esta proposta, estariam os ministros do Supremo livres dos compromissos, declarados ou não, com quem os indicou - o Poder Executivo - e quem os referendou - os membros do Parlamento. Simples como isso.

Se no Poder Judiciário a crise conduz à revisão das regras constitucionais que regem a nomeação de magistrados “supremos”, no Poder Legislativo a crise vem gerando intensos debates acerca da reforma eleitoral e do sistema político do País. As propostas são as mais diferentes e conflitantes, o que permite supor que não teremos grandes alterações para o pleito que se avizinha.

No entanto, independentemente das regras do jogo, os analistas políticos são concordes em concluir que no próximo ano teremos uma relevante renovação no quadro político, sobretudo na esfera federal, onde a crise assume magnitude.

É essa conclusão dos especialistas que me permite afirmar que, na realidade, o que a sociedade brasileira vive é uma crise na crença nos homens públicos e não no regime democrático. Menos mal, porque homens podem ser substituídos pelo voto, enquanto a democracia está acima de qualquer conveniência eleitoral.

Oxalá o Brasil aproveite a crise para dar um grande salto para frente na condução da coisa pública. Afinal, ainda somos e continuaremos sendo uma República Democrática (art. 1º da Constituição Federal).

---------------

(*) Santareno, é doutor e livre-docente pela USP. Escreve todas as quartas neste blog.

Comentários