Crônica


A minha primeira vez


Benedicto Monteiro(*)


A esta altura da minha vida, com netos e bisnetos, não sei como recordar a minha primeira vez. Como eu não me arrependo de nada do que fiz, mas só do que não fiz, não me custa nada, escrever sobre a minha primeira vez. Foi um deslumbramento! Não, não é exagero. Tudo o que eu aprendia e tudo o que eu descobria na minha adolescência, me deslumbrava. E nessa noite, ou nessa madrugada, como sempre, eu é que fazia, na minha cabeça, o cenário de onde eu estava. Não importava, que o local fosse duas redes trançadas com outras redes, no passadiço de uma lancha. Nessa época, não havia cama. Raríssimas famílias ricas possuíam esse móvel tão necessário hoje pra vida de um casal.

Pois eu aprendi fazer tudo na rede. E a mulher, era uma morena linda. Já tinha visto todo o seu corpo através do vestido de chita fino no momento em que ela tomava banho. Não sei até hoje se era a água, se era o vento que soprava, se era o rio que escorria, se era luz que se entremeava ou se era cor morena que aflorava. Só sei que o corpo todo emergindo quase despido, apenas com aquele pano fino não encobrindo, me deslumbrava.

Ela não era uma menina de família, por isso não podia dizer que ela era minha namorada. Mas a atração física entre nós era tanta, que eu desejava ela para minha amante. Primeiro, dançamos. Dançávamos e nos apertávamos. Marcamos muitos encontros que nunca se realizavam. A sua casa era uma barraca. Não havia quartos. E eu, tão jovem, não tinha a mínima experiência, nesses encontros. Aproveitamos então uma viagem que ia varar a noite e a madrugada. Não me lembro bem se era um comício ou uma festa. Mas era uma boa oportunidade.

As lanchas que trafegavam pelos rios, tinham sempre um salão para amarrar as redes. Eram redes trançadas e retrançadas. Do lado, por cima e por baixo. Combinamos de atar as nossas redes uma ao lado da outra. Ela mesmo se encarregou do trabalho. Pela minha idade, ela devia achar que eu já tinha experiência. Mas eu era completamente ignorante nessa questão de sexo. Esse encontro na rede, seria a minha primeiríssima vez. Primeiríssima.

Mas, como eu disse, não foi uma experiência, foi um deslumbramento. Para mim, foi fácil ignorar as pessoas que estavam deitadas nas redes, por cima e por baixo e ao nosso lado. Não me lembro o que eu sonhei ou o que sonhamos. Se a nossa rede estava pendurada numa escápula ou numa árvore. Nos primeiros momentos e nos primeiros carinhos, ainda nos importamos, com os vizinhos. Mas quando eu consegui embarcar na rede dela, o mundo todo se converteu naquele espaço.

Mergulhamos na rede como se estivéssemos na água. Ou estivéssemos flutuando entre as nuvens. Embora estivesse escuro, que não se enxergava nada, era como se nos envolvessem todas as cores. Os verdes das matas, os azuis dos céus, as cores de todas as águas e as cores que, nessas horas, transformam todos os lugares. A rede, como todo mundo sabe, agasalha a criatura como o útero materno. E, naquela hora, ela se acomodava aos desejos e aos jeitos dos amantes.

Não tive nenhuma dificuldade em me agasalhar ao lado dela. A própria rede nos aconchegava como nunca. Apalpei com as mãos todo aquele corpo que eu devorava apenas com os olhos. Embora não podendo estar nus, era como se estivéssemos. Os seios, que eu já havia tocado antes, desabrocharam ainda mais naquela noite, naquele escuro. Eu só não maldizia o escuro, porque eu estava invadido de outras claridades. Ele não limitava o nosso espaço. Naquele instante, a escuridão não fazia parte do nosso cenário.

Confesso que não sei como os nossos corpos se encaixaram. Os beijos, os toques, os carinhos, demarcaram os nossos sentidos. A penetração e o gozo foi o primeiro milagre. O próprio ato sexual naquela rede e naquele escuro, por cima, por baixo e ao lado de muita gente, teve que ser apenas um sussurro. Os nossos corpos enroscados, devem ter se isolado de todas as redes. E abafado os sons de todos os lugares.

Eu hoje tenho certeza que na angústia da procura, eu fui ajudado pela rede. Embora o espaço fosse exíguo, a sua maleabilidade, mais que nos aconchegava. Não me lembro do que eu imaginava. Se a rede era um rio, uma relva, uma nuvem, nada disso eu sei agora depois de tantos e tantos anos. Só me lembro que uma linda mulher estava entranhada no meu corpo ainda tão jovem.

Por isso que eu só posso dizer, que a minha primeira vez, foi um deslumbramento. Ali, naquela escuridão e naquela rede, eu comecei a tatear no escuro e a enxergar a vida. O simples ato sexual me ensinou a furar o mundo.

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(*) Escritor, publica suas crônicas todas as quarta-feiras neste blog.

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