Garantido, luxo; Caprichoso, volta à tradição

Matéria de Fernando Moreira, do Globo Online, sobre o primeiro dia de apresentação dos bois de Parintins:

Gostar do vermelho ou do azul é uma religião em Parintins. No templo batizado de Bumbódromo, seguidores de dois deuses-bois começaram a se reunir na sexta-feira para a 40ª celebração de um festival que se torna cada vez mais requintado - para outros, mais requentado. Foi o primeiro de três dias de apresentações do Garantido (o vermelho) e do Caprichoso (azul) na arena que reúne fiéis de várias partes do Brasil e do mundo.

Diz a lenda pagã que o Garantido é o boi-bumbá do povão, e o Caprichoso, o da elite. Entretanto o que se viu no Bumbódromo foi exatamente o oposto. Luxo, pirotecnia e grandiosidade, com direito a alegorias com muitos movimentos, embalaram os fanáticos vermelhos, enquanto o Caprichoso - dizem que está com problemas financeiros - fez uma apresentação sem muita ostentação e voltada à tradição regional.

A arena totalmente lotada viu o boi-bumbá do Garantido chegar ao centro da área de apresentação trazido por um imenso balão, daqueles usados pelos amantes do balonismo. Mais econômico, o Caprichoso exibiu um balão menor, típico das festas juninas, mas não para trazer o seu boi, que foi revelado ao sair de uma caixa trazida por uma grande escultura humana.

As duas agremiações apresentaram-se durante cerca de duas horas e meia, com um repertório variado de canções. Nas arquibancadas reservadas às torcidas - que não pagam ingresso, mas têm que enfrentar uma fila imensa para poder participar da festa - um espetáculo à parte. Com coreografias inspiradas e momentos de catarse coletiva, os fiéis vermelhos e azuis muitas vezes roubam a cena.

O espetáculo gira em torno de uma lenda. Mãe Catirina, grávida, desejava comer a língua do boi mais bonito da fazenda. Para satisfazer a vontade da mulher, Pai Francisco mandou matar o boi de estimação do patrão. Descoberto, ele tentou fugir, mas acabou preso. Na tentativa de salvar o boi, um padre e um pajé foram chamados. Milagre cristão ou pagão, o boi ressuscitou. Pai Francisco e Mãe Catirina acabaram perdoados e houve uma grande comemoração.

Esta comemoração é o festival. Alguns ingredientes foram somados com o tempo. Outras lendas e manifestações culturais regionais passaram a fazer parte da grande festa na selva que, como nos desfiles das escolas de samba, também têm seus jurados. O Garantido busca seu 26º título, o Caprichoso vai em busca do 14º.

Os bois-bumbás de Parintins existem desde 1913, mas o festival foi oficializado em 1966. Desde então houve um empate. Para quem se maravilha com o espetáculo de fora, assim deveria ser sempre: sem vencedores e perdedores. Para os vermelhos e os azuis isso é mais do que uma ofensa - é sacrilégio. Pois então, na "segunda-feira de cinzas" eles vão saber quem os deuses da floresta em forma de jurados resolveram contemplar com sua - às vezes não muito sábia - benevolência.

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