Entrevista: Tarcísia Chagas - Desnutrição em creches

A nutricionista Tarcísia Chagas é quem comandou, no ano passado, uma pesquisa sobre desnutrição nas creches municipais de Santarém. Feita a coleta de dados e avaliados os resultados, o susto: quase 90% das crianças apresentava quadro de desnutrição crônica.

Pior: mais de 50% era portadora da forma mais grave dessa doença, a desnutrição aguda. Pós-graduada em Tecnologia de Alimentos, Tarcísia fala sobre o estudo.

Os dados sobre a desnutrição nas creches são preocupante?
Tarcísia Chagas - Os resultados são preocupantes. As creches dos bairros da Floresta, Urumari e Tabocal apresentaram maiores taxas de desnutrição crônica, enquanto Fátima, Santarenzinho e Interventoria apresentaram maiores taxas de desnutrição aguda. Estes índices chegam a superar alguns municípios de estados da região Nordeste, região esta que possui a maior taxa de desnutrição do Brasil; em 2º lugar está a região Norte, segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, de 1989.

A amostragem de 30% é confiável?
Para o tipo de estudo que foi realizado sim. A amostragem foi do tipo aleatória simples e o estudo transversal, onde se identificou a realidade daquele momento, considerando as seguintes variáveis: peso, altura, idade, sexo, escolaridade da mãe, renda familiar, condições de moradia e acesso aos programas assistenciais e de saúde do governo. A população de referência foi a recomendada pela OMS (NCHS-1983) e que calcula desvios da mediana, percentis e escores-Z, para as relações de peso para a idade, altura para a idade, e peso para a altura. Os pontos de corte utilizados são os recomendados pela literatura específica para a classificação do estado nutricional.

O que mais lhe chamou a atenção nesta pesquisa?
Primeiramente os resultados que não podem passar despercebidos a qualquer profissional da área de saúde. Em segundo lugar, a triste observação de que não havia naquele momento nas creches nenhum tipo de atendimento direcionado ao problema detectado. Apesar dos estudos recentes obtidos em 1996 pela Sociedade Civil Bem Estar Familiar do Brasil (BEMFAM) indicarem que a prevalência da desnutrição no Brasil vem diminuindo, estudos regionais têm demonstrado a manutenção de índices preocupantes em algumas regiões, principalmente em bolsões de pobreza.

A pesquisa mensurou as refeições servidas nas creches a partir do ponto de vista nutricional?
As refeições foram avaliadas sobre vários aspectos. Quantitativamente não havia nenhum problema, mas totalmente inadequada para a faixa de idade ali presente. Qualitativamente, por não serem balanceadas e nem analisadas por nutricionista, não foi permitido saber exatamente quais nutrientes continham e nem a percentagem dos mesmos. Constatou-se a ausência de verduras e frutas em quantidade suficientes, bem como monotonia alimentar. Aplicado o Teste de Aceitabilidade (Volumétrico) alguns resultados ficaram aquém do esperado.

Que medidas a curto, prazo devem ser adotadas, na sua opinião para minimizar este problema?
A necessidade de intervenção se faz necessária com certa urgência. Falando das creches especificamente: reformulação de modo geral ao atendimento às crianças; atendimento médico, cardápios balanceados e ao gosto das crianças, treinamento para os funcionários e inclusão das famílias nos programas assistenciais do governo.

E a médio, prazo?
Além de orientações específicas dirigidas às mães, para mais informações, o aumento da renda per capita para maior aquisição de alimentos, maior acesso à assistência médico hospitalar, saneamento básico, como tratamento da água, do lixo, tipo de esgoto, tipo de habitação, tipo de fossa, combate a insetos e roedores, etc.

Os custos dessas medidas são elevados?
Os maiores custos estão na aquisição de alimentos, principalmente os de origem protéica, entretanto, a orientação nutricional dada por profissional da área, pode resolver parcialmente o problema no momento que oferece alternativas e substituições, principalmente com a utilização dos alimentos regionais. O setor público permite, uma razoável cobertura das necessidades primárias através de alguns programas como: aleitamento materno, hidratação oral, cobertura vacinal, etc. Também os meios de comunicação levam informação gratuita e de boa qualidade a um número expressivo da população.

A desnutrição é mais um problema social ou educacional?
É a combinação dos dois. As práticas domiciliares devem ser adequadas à alimentação da família, a fim de corrigir a inadequação alimentar que leva paradoxalmente da desnutrição ao sobrepeso tanto de crianças como de suas mães. Os estudos sobre a situação nutricional das crianças mostram que um dos seus condicionamentos é a escolaridade da mãe. O aumento da qualificação materna pode contribuir para que as mesmas melhorem a alocação de insumos para a promoção da saúde como melhora na nutrição infantil, sobretudo quando há escassez de recursos. Vale ressaltar que muitas mães, para aumentar a renda familiar, são empregadas e para compatibilizar o emprego com o cuidado do filho recorrem ao atendimento através de creches que deveriam ser de boa qualidade o que pelo menos amenizaria os efeitos das desigualdades sociais.

O que caracteriza a desnutrição crônica?
A desnutrição crônica é a desnutrição de longa duração, é desnutrição que ocorreu no passado; freqüentemente está associada às condições econômicas gerais de pobreza, infecções repetidas e ingestão inadequada de nutrientes. Indica o nanismo nutricional ou retardo no crescimento, portanto, deixa seqüelas. É determinada pelo índice altura para a idade.

E a aguda?
É a desnutrição atual, ocorre por processos mórbidos agudos como diarréia. É determinada pelo índice: peso para a altura. Este mesmo índice determina as proporções corporais e a harmonia do crescimento.

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