Pensata

Contribuição lingüística para zelosos edis

Jota Ninos (*)


ALTER-DO-CHÃO já foi chamada de “Caribe da Amazônia”, mas há outro epíteto que mais se adequa à nossa Vila Borari: “Babel Tropical”.

Não só pela eterna invasão de turistas de todas as partes do mundo, mas principalmente pelas polêmicas lingüísticas que lá se travam.

Pra começar, o próprio nome da vila até hoje é controverso e pelo menos uma das explicações para a sua origem seria a de que na primeira missa rezada por jesuítas portugueses em suas brancas areias teria sido usado um altar rente ao chão.

DAÍ, o altar, no sotaque português interpretado pelos nativos, soar como “alter”... do chão. Nem sei isso é verdade, mas faz sentido.

Aí veio o tal do Sairé, que de repente virou “Çairé” por motivações de marketing, e causou um frisson lingüístico e uma guerra cultural entre intelectuais ou não.

Recentemente saiu o “Ç” e voltou o “S” e talvez numa próxima administração voltemos ao “Ç”. Tudo dependerá de que “lingüista político” estará no poder.

AGORA chegou a vez de substituir a batalha de farinha do “Carnalter” por uma nova batalha lingüística. Diante da mediocridade do carnaval em Santarém, os blocos com nomes de duplo sentido praticamente quintuplicaram em menos de uma década de “Carnalter”.

Só que isso criou um novo frisson entre nossos zelosos edis, que resolveram levantar a bandeira da moralidade contra essa ousadia popular.

Como se não houvesse mais nada de importante para se discutir no plenário da Câmara, três vereadores resolvem promover mais uma contenda lingüística de cunho inquisitório, pela moral e pelos bons costumes de nossa gente...

RESOLVI fazer um pequeno estudo e propor nomes mais pudendos aos blocos, como sugestão à cruzada moralista dos nossos zelosos edis.

Para isso, reli um dos fascinantes textos do sarcástico escritor carioca Millôr Fernandes, de seu livro “Tempo e Contratempo” (1954). Na crônica “Provérbios modernizados”, Millôr utiliza de seu estilo mordaz e reescreve de forma erudita ditados populares que do alto de sua singeleza “nos ensinam antigas lições”, como diria Vandré.

Assim, o velho ditado “De grão em grão a galinha enche o papo”, transforma-se num texto de refinamento científico digno de ouvidos intelectualizados: “De unidade de cereal em unidade de cereal, a ave de crista carnuda e asas curtas e largas da família das galináceas, abarrota a bolsa que existe nessa espécie por uma dilatação do esôfago e na qual os alimentos permanecem algum tempo antes de passarem à moela”.

SEGUINDO o mesmo estilo “milloriano”, aqui vão minhas sugestões para os nomes de blocos do Carnalter, de forma a não ferir os sensíveis ouvidos de nossos ilustres representantes do Poder Legislativo no ano que vem:

1. Bloco “Existe uma ave cracídea num pedaço de madeira!” (“Há Jacu no pau”);

2. Bloco “Nego-me a doar o mamífero procionídeo que me pertence” (Não dou meu Kuati”;

3. Bloco da “Ave Columbídea” (“A Pomba”);

4. Bloco “Aplica teu olfato numa ave psitacídea pequena” (“Xeira o Periquito”);

5. Bloco “Tira o órgão linfóide situado no hipocôndrio esquerdo!” (Arranca Baço”).

Espero ter contribuído com os senhores edis para que moralizemos nossa língua em pleno carnaval, pois como disse o próprio Millôr no mesmo texto: “Aquele que anuncia por palavra tudo que satisfaz ao seu ego, tende a perceber pelos órgãos da audição coisas que não se destinam a aumentar-lhe o sentimento de euforia” (traduzindo: “Quem diz o que quer, ouve o que não quer!”).

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* É jornalista e escrivão judicial.

Comentários

Anônimo disse…
Jota, não é por acaso que sou tua fã. É impressionante essa preocupação dos nossos(não votei em nenhum destes)representantes, com tanta coisa seríssima e importante acontecendo na cidade ou não se fazendo acontecer por falta de lutas e eles preocupados com esses nomes de blocos.
Acho uma indecência sim ,é a falta de compromisso, com seus eleitores em questões vitais e importantes para toda a população.
Vergonha é uma criança doente, sem remédio sem comida, sem água... e por aí vai.
Anônimo disse…
A polêmica investida dos nossos vereadores contra os nomes de duplo sentido dos blocos de Alter do Chão, por si só, já trouxe dois importantes benefícios:
Primeiro: a discussão será sobre o Carnaval de Alter do Chão e não sobre o combalido Carnaval que se faz hoje na cidade.
Segundo: causa um certo "frisson" na modorrenta e inócua rotina dos edis santarenos.
Os nomes criados dão um charme e um diferencial divertido para a festa na Vila. Sempre nos queixamos que nada se faz de autêntico por essas bandas. Agora que conquistamos o "mérito da cacofonia", encontramos a resistência dos vereadores.
Não só cerraremos fileiras a favor da "ambigüidade carnavalesca", como já temos (amigos de bola e de copo) em mente o lançamento, para breve, do bloco "Dá álcool pra mim".
Anônimo disse…
Que tal os vereadores ficarem de fora do Carnaval de Alter do Chão? Sem eles, a festa tá indo muito bem obrigada. Ou então, por que não formam um bloco (sugestão de nome: Aves de Rapina) e vão pra lá vila se divertir no próximo ano?

Rota de Colisão
Anônimo disse…
Jota Ninos, aproveitando a confusão linguisitca que os vereadores querem combater, por que não "encaminha-los ao lugar mais recôndito da anatomia humana, onde existem pregas que nem o Diabo consegue contar, e fazer o melhor proveito que lhes aprouver" ou em palavras mais cruas ...?
Anônimo disse…
Para os olhos dos letrados, que deleite o texto do Ninos, explêndido... Para os mesmos olhos dos letrados, que babaquice a dos vereadores... Para, ainda, os mesmos olhos, que criatividade o nome dos blocos de Alter...
Murilo Gun disse…
Oi Jeso,

Vi que você publicou os nomes de blocos prolixizados que o Jota Ninos criou, e citou os provérbios prolixizados de Millôr Fernandes.

Então acho que você vai gostar deste meu site: www.eufalodificil.com.br

Colaborações são muito bem-vindas.

Abraço!