Nem super, nem franca




Helenílson Pontes (*)


NA ÚLTIMA semana, ganhou razoável destaque na imprensa suposto acordo parlamentar através do qual as cidades paraenses de Almeirim, Barcarena e Santarém e amapaense de Oiapoque passariam a estar incluídas em território fiscal privilegiado denominado pela solene expressão de “Super Zona Franca”.

A expressão Zona Franca remete imediatamente o cidadão comum ao regime fiscal vigente em Manaus, extremamente favorável do ponto de vista da desoneração fiscal, daí porque o anúncio de uma Super Zona Franca gerou em grande parcela da população a equivocada impressão de que aquelas cidades passariam a ser tão atrativas aos investimentos industriais como é a Zona Franca de Manaus.

No entanto, uma leitura atenta do projeto de lei – que ainda sequer foi apreciado pela Câmara dos Deputados – permite concluir que a desoneração tributária que alberga está longe de ser comparada com as vantagens presentes na Zona Franca de Manaus.

A PRIMEIRA observação digna de nota é que o benefício fiscal trazido pelo projeto não abrange apenas as cidades paraenses de Almeirim, Barcarena e Santarém, mas também a cidade de Oiapoque no Estado de Amapá, e todas as áreas de livre comércio já criadas em outras cidades da Amazônia, tais como Tabatinga, Guajará-Mirim, Pacaraima, Bonfim, Macapá e Santana.

O projeto de lei apenas reconhece uma isenção territorial e condicional de Imposto sobre Produtos Industrializados. Segundo o projeto, estarão isentas de IPI as empresas que industrializarem produtos, nas áreas de livre comércio anteriormente já criadas e naquelas incluídas no projeto (Barcarena, Almeirim, Santarém e Oiapoque), desde que (aqui a condição) utilizem no seu processo produtivo majoritariamente matérias-primas de origem regional, provenientes dos segmentos animal, vegetal, mineral ou agro-industrial.

Aparentemente, o escopo inicial do projeto foi apenas conceder mais um incentivo fiscal – isenção de IPI na produção local com matérias-primas regionais - às áreas de livre comércio já criadas nos municípios supra citados.

VIA DE regra, nas áreas de livre comércio a entrada de produtos estrangeiros ocorre sem a exigência de Imposto de Importação – II e de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, desde que os bens sejam destinados ao consumo local ou ao emprego em alguma atividade produtiva ali instalada.

Vale dizer, o objetivo do projeto nunca foi o de criar uma zona franca, muito menos super, já que se dirigiu apenas a uma isenção de IPI para as áreas de livre comércio já instaladas em território amazônico.

Ocorre que por força dos acordos parlamentares, outras cidades foram também alçadas à condição de áreas de livre comércio.

AQUI ME parece reside um dos problemas do projeto. O artigo quarto do projeto de lei estabelece que “Ficam criadas, como Áreas de Livre Comércio, incluídas entre as constantes do art. 1º, os municípios de Barcarena, Santarém e Almeirim, no Estado do Pará, assim como em Oiapoque, no Estado do Amapá, com mesmas condições previstas nesta lei”.

A expressão “com as mesmas condições previstas nesta lei” poderá ensejar dúvidas sérias acerca do alcance da desoneração tributária vigorante nas áreas de livre comércio recém-criadas.

Gozarão estas de isenção de IPI e II na entrada de produtos estrangeiros, como já ocorre nas demais áreas de livre comércio já existentes, ou a isenção alcançará apenas o IPI incidente sobre produtos industrializados com matérias primas regionais produzidos naquelas cidades?

EM OUTRO dizer, qual o sentido da inclusão da expressão “com as mesmas condições previstas nesta lei” justamente no dispositivo que cria as novas áreas de livre comércio?

Esta dúvida torna recomendável que durante a tramitação legislativa seja retirada da parte final do artigo quarto a expressão “com as mesmas condições previstas nesta lei”, sob pena de se reduzir sensivelmente as vantagens tributárias das áreas de livre comércio recém-criadas, que, a rigor, sequer merecerão tecnicamente tal designação, na medida em que serão apenas uma área com isenção territorial condicional de IPI.

Ademais, todas as áreas de livre comércio já existentes são contempladas com uma legislação própria, individual, razão pela qual a criação destas novas áreas de livre comércio deveria ser acompanhada, desde logo, por uma legislação disciplinando o seu alcance e o seu regime jurídico, sob pena de se tornarem apenas uma criação legal, sem contrapartida real, haja vista a ausência de regulamentação.

PARA EVITAR este problema, basta que os parlamentares tomem de empréstimo a legislação que criou as áreas de livre comércio já existentes, incluindo-a no projeto em tramitação.

Como se pode observar, a questão é complexa e tortuosa, razão pela qual não parece adequado celebrar neste momento a criação de uma “Super Zona Franca” na Amazônia, pois, a rigor, o projeto em questão não cria nem uma super área, conforme se observa nas limitações constantes do próprio texto legislativo e nas dúvidas que enseja, nem um território franco, isto é, livre de incidências tributárias que permitam uma calorosa comemoração.

Temas como o ora tratado criam na população o falso sentimento de mudança rápida e profunda da realidade regional, daí porque devem noticiados com extrema cautela, sob pena do aumento do descrédito e da desesperança com a esfera política.

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(*) Santareno, é doutor e livre-docente pela USP. Escreve todas as quartas neste blog.

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