Erik L. Jennings Simões (*)
Diagnóstico e tratamento médico não nascem prontos. Diferentemente de produtos que se encontram nas prateleiras para venda imediata ao cliente, o raciocínio e a conduta médica se originam, e são resultados, de uma relação complexa entre médico, paciente /família e estrutura tecnológica disponível.
Quando tudo vai bem entre as partes, temos algumas chances de errar; quando algo falha em um dos elementos, temos grande chance de errar; agora, quando os três apresentam falhas, o erro é quase uma certeza.
Medicina, mesmo na cirurgia plástica, continua sendo uma ciência de meios e não de fins. Fatores intrínsecos relacionados à formação técnica, psicológica, ética e moral do profissional médico, ora se harmonizam para um resultado satisfatório, ora conspiram para o caos frente aos fatores intrínsecos psicológicos, biológicos, éticos e morais também do paciente.
No caso da Geovana, a meu ver, todos cometeram erros e falhas. A paciente falhou, quando não “sabia que estava grávida”. Passou nove meses sem notar qualquer alteração em seu corpo, dentre as dezenas que ocorrem neste intervalo. Se não foi uma falha intencional, negligenciou o próprio corpo.
A família falhou quando ninguém, nem mesmo a mãe, notou qualquer mudança física ou comportamental na filha. Os médicos falharam, pois não resistiram à pressão, subliminar, de uma paciente e família diferenciada, ansiosa em pegar o primeiro avião com destino a nossa capital do exílio. Não foram firmes em permanecer com a paciente na cidade até tudo se esclarecer, não se dando tempo de realizar um ultra-som. Mais trinta minutos e tudo seria esclarecido aqui mesmo. Competência, meus colegas têm de sobra, garanto.
A cidade falhou, pois tem uma sociedade e um povo sem identidade que valoriza mais os de fora que os de casa. Um povo que ainda acha que Belém é melhor em tudo, quando justamente em Belém foi que a mãe (Geovana) fora operada grávida de três meses.
Invadiram cirurgicamente sua barriga com um bebê lá dentro. Preferem jogar pedras em profissionais, que, como eu e qualquer outro ser humano, falhamos, mas que acreditamos e apostamos em dias melhores para a saúde em nossa cidade. Um erro desta proporção sempre é resultado de uma seqüência de falhas, com vários atores envolvidos.
A única que não falhou foi Valentina. Resistiu ao anonimato desde o início. Superou, ainda no primeiro trimestre de vida, uma cirurgia bariátrica, com anestesia geral e outras drogas e perturbações físicas, bem próximas ao seu cantinho, seu refúgio dentro do útero materno.
Durante nove meses se entrincheirou, no escuro e no calor das muralhas de um músculo que faz de sua mãe, mulher. Valentina, mais mulher ainda, resistiu aos apertos das cintas e das dietas restritivas usadas por meses após a cirurgia bariátrica de sua mãe. Teve que se conformar com o escuro, o calor, o aperto e o anonimato dos abrigos que só os mais fortes dos refugiados poderiam resistir. Venceu a falta de diagnóstico em uma Santarém, que ainda busca socorro nas companhias aéreas. Nasceu em pleno vôo, em uma poltrona desconfortável em condições de pressão e temperatura hostis para quem quer vir ao mundo. Resistiu mais uma vez.
Após o primeiro berro de liberdade, de vitória, de valentia... Transformou clima de velório em festa! Alguns passageiros se emocionaram e choraram, não mais pelo caos aéreo, mas pela vida que floresceu justamente em nossa aviação que ultimamente muitas vidas nos têm tirado. Os mais novos avós riam. A mãe não mais sentia dor, e, por algum momento, o comandante e os comissários fizeram vista grossa a uma enxurrada de flashes e celulares ligados dentro da aeronave, que registraram a realidade de uma peça teatral que nem Shakespeare foi capaz de imaginar.
Valentina, ao final, e no seu começo de vida, nos ensinou como não falhar.
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* Santareno, é médico neurocirurgião.
Comentários
Corajoso, simples, direto, humilde, humano. Tudo o que um médico precisa.
Abs prá vc, e sucesso.
Assino embaixo do comentário do Juvêncio. Tua capacidade técnica, aliada a um apurado olhar sobre a realidade, além de uma posição política sempre muito clara, te faz essa referência para todos nós.
Texto brilhante, preciso, corajoso.
Saudações mocorongas,
Samuca
Nelson Vinencci
nada a comentar a não ser humildemente aplaudi-lo
Antenor Giovannini
Viva Valentina...viva ..vitoriosa...valente!
Jennings é um destes cidadãos em gênero, número e grau, que não precisam daqueles diplomas oferecidos por vereadores bajuladores.
Cidadãos como ele são poucos, mas existem.
E só nos resta agrader a sua existência, pois isso nos obriga a tentar fazer o mínimo possível para fazer valer suas palavras.
E como cada macaco deve ficar em seu galho, José Maria Gonçalves pra empurrar carroça, desde que não empaque.
Valentina.. Bem-vinda ao mundo!!!
Erik parabéns, é de pessoas como você que Santarém precisa, espero um dia que eu possa contribuir com a cidade tbm! Te adoro migo.. =]
Confesso que cheguei até me emocionar ao ler ter artigo "Falha médica, engano de paciente".
As pessoas de bem, probas, corajosas... estarão sempre te aplaudindo pela tua coragem, humildade, humanidade. As burras, incompetentes, desonestas, estarão covardemente ou até explicitamente te perceguindo, tentando te prejudicar... mas, podes acreditar, essas são e serão sempre a minoria. A grande maioria estará sempre ao teu lado te encorajando e te dizendo que estás certo, que tu representas a parte boa da sociedade santarena, tapajônica, brasileira e terraquea.
Parabéns.
De Jorge Hamad, engenheiro e empresário santareno.
Dias melhores hão de vir caro amigo, só depende de nós.
Parabéns
Em todo Brasil e em STM não seria diferente, pessoas estão morendo a mingua,por erro de diagnóstico, por falta de atendimento,etc...
Esse episódio serve como base e até de chacota aos médicos mediocres e descopromissados com o bem estar da populaçao.
Muito recente deu entrada no HM uma jovem mãe...diagnostico ? apos mandarem a pobre pra casa ela veio a falecer com Menigite.
Valentina é sobrevivente do orgulho dos Pereiras,dos vampiros travestidos de médicos e agora dos bajuladores de plantão!