A propaganda enganosa das hidrelétricas

Comentário/ editorial do padre Edilberto Sena no Jornal da Manhã (Rádio Rural AM), do último dia 26:


Antigamente os de fora chamavam a Amazônia de "inferno verde", por causa do clima, insetos, cobras e piranhas. Mais recente, durante a ultima ditadura militar, um general chamou-na de “terra sem gente que foi oferecida de graça à gente sem terra”. Duas afirmações bastante ignorantes e preconceituosas. Neste chamado "inferno verde", há séculos já vivia bastante gente, de bem com vida. Mais de 100 povos aqui viviam.

Hoje, a Amazônia se torna um inferno para os 23 milhões de habitantes, e paraíso para multinacionais do sul e do estrangeiro. Não por causa de piranhas, jacarés e piuns, mas por causa dos governos federal e estadual que garantem espaço a invasores que chegam aqui para saquear as riquezas da região, destruindo a vida aqui existente.

Entre os invasores, está o próprio governo federal com sua obstinação perversa de construir grandes hidrelétricas na região. São dez grandes usinas planejadas para serem construídas na Amazônia, além de outras menores.

Só aqui no Pará, o plano perverso federal, aplaudido pelo governo estadual e políticos insensatos, incluiu até agora: uma usina em São Luiz do Tapajós, uma, mais em cima, no rio Teles Pires, outra em Belo Monte do Xingu, mais uma em Marabá, além de uma em Cachoeira Porteira e mais outra na cachoeira Santo Antonio do Jari, esta já dentro do Amapá, no limite com o Pará, próximo a Monte Dourado.

Para que tantas usinas hidrelétricas? Para o crescimento econômico, diz o presidente. Para o progresso, dizem outros. Para quem vão servir essas grandes obras? Primeiro vão servir às grandes empreiteiras construtoras, depois vão servir às grandes empresas mineradoras, indústrias do Sul e de Manaus.

Por que as populações amazônidas mais esclarecida estão contra? Porque são elas, ribeirinhos, indígenas e pobres que serão expulsos de seu habitat, perderão o ganha pão e serão atingidos pelas barragens.

A propaganda enganosa do governo e seus bajuladores, inclusive políticos da Amazônia, fala de progresso, crescimento econômico, sem dizer que o custo de vidas e meio ambiente será devastador. As florestas que ainda existem serão alagadas pelas imensas barragens, as populações serão expulsas de suas terras e, aí sim, a Amazônia vai se torna o real inferno líquido para os nativos e biodiversidade da Amazônia. Tudo em nome do pregresso e do PAC do presidente e sua ministra do Planejamento.

Hoje, a praga maior na Amazônia é o próprio governo brasileiro, que viola os direitos de 23 milhões de amazônidas. E ainda há gente por aqui dizendo que se não somos capazes de explorar as riquezas para nosso benefício, que deixemos que os “inteligentes” as explorem.

Comentários

Anônimo disse…
Outro dia escutei o ex-governador do Pará, Jatene, dizer: "Hoje o desafio na Amazônia não é explorar ou produzir preservando, é preservar produzindo". Particularmente gostei do jogo de palavras, mas no seu governo não vi o tal "preservar produzindo". Não sou, como o Padre Edilberto, totalmente contra as hidrelétricas. Penso que dá pra conciliar alguns projetos, desde que nós sejamos ouvidos, inclusive com direito a veto de qualquer projeto, e que o projeto viabilizado sirva realmente aos amazônidas, pois até agora as hidrelétricas que temos não serviram, por exemplo, para diminuir o preço da nossa energia. Pagamos caro para que utilizem o nosso quintal, as nossas riquezas. Nesse ponto, concordo com o Padre, o nosso grito continua preso na garganta. Na dúvida, pró-Amazônia.
Anderson Dezincourt.
Anônimo disse…
Acredito que o debate sobre a questão das hidrelétricas esteja mal posto na forma apresentada pelo editorial do padre Edilberto. A forma simplista “pro ou contra” impede de tratar o problema de forma racional.
Permito-me de levantar alguns questionamentos sem (ainda) tomar partido.
Há duas questões centrais que tem que ser analisadas e discutidas para poder ter uma visão mais objetiva e ai sim definir uma posição de mérito.
1) A Primeira é que não podemos pensar a Amazônia (brasileira) como se fosse um corpo estranho ao Brasil, ou uma sociedade separada. A Amazônia Brasileira faz parte sim do Brasil e sua integração e seu desenvolvimento precisam ser debatidos no conjunto das políticas nacionais. Ademais, no Brasil são mais de 20milhoes as pessoas que ainda não tem acesso à energia produtiva, e a grande maioria reside na Amazônia.
2) A segunda se refere à Matriz Energética do Brasil, no atual contexto da crise ambiental (aquecimento global) e o fim (próximo) da era dos combustíveis fósseis (a principal matriz energética no Brasil e no mundo) maior responsável do aquecimento global.
a) A questão ambiental tem que ser discutida em nível nacional, pois afeta o País como um todo, não adianta pensar separado, pensar ao Brasil ao seu desenvolvimento é pensar para 180milhoes que inclui os 23milhoes da Amazônia.
b) Quando se discute de impacto ambiental temos que discutir em cima do conjunto do Brasil e dividir os impactos. Não adianta pensar só em 23milhoes quando estamos numa nação de 180milhoes. Sabendo que todos poluem e estão poluindo, e o maior impacto ambiental é oriundo do uso de termoelétricas (no resto do Brasil) e do uso do fogo (na Amazônia).
c) O custo - beneficio (econômico e ambiental), é outro ponto importante, ou seja, quanto custa produzir energia (termoelétrica, hidroelétrica, outras) para 180milhões de pessoas?
Acredito que todo mundo sabe que sem energia não há desenvolvimento, nem para os “grandes” nem para os “pequenos”.
Sem energia, também não há futuro, (amazonidas ou não), portanto tem que se pensar ao Brasil como um todo e à sua sustentabilidade.
Hidrelétrico, Nuclear, Termoelétrico, Solar, Eólico, Bioenergia, etc. são opções que estão aí. Todas têm impactos (maior ou menor) e problemas de viabilidade e sustentabilidade.
Vamos fazer uma discussão séria, não olhando apenas no nosso quintal, vamos pensar no todo. Vamos pensar ao futuro sustentável da Amazônia e de 180milhoes de brasileiros, vamos pensar ao futuro sustentável da humanidade.
Enfim vamos discutir a matriz energética do país e definir prioridades para que o conjunto todo possa sair ganhando.

Tibério Alloggio
Anônimo disse…
Prezado Tibério, não pretendo responder a qualquer réplica aos editoriais, afinal eles têm objetivo de provocar reflexões e aprofundamentos. No entanto, certas réplicas como esta sua, não podem passar em silêncio e por isso, vamos aprofundar a questão das hidroelétricas na Amazônia.

1. Você começa deduzindo algo que não é meu pensamento. Diz: "...não podemos considerar a Amazônia como se fosse um corpo estranho ao Brasil, ou um corpo separado". Não afirmei isso, pelo contrário, denuncio exatamente a forma como o sul e o governo federal tratam a Amazônia, um corpo estranho como um garimpo rico de minerais, terras, rios e florestas que devem ser explorados para o bem "do Brasil", sem deixar aqui os dividendos justos para o desenvolvimento da população aqui radicada. Reclamo justamente a necessidade de a nossa região ser assumida como parte deste país desigual, escandalosamente desigual. Como é que uma região brasileira, tão rica em matérias primas, servindo ao crescimento do país, continue 22º no IDH nacional? culpa de nossa mediocridade, como dizem alguns?

2. "a questão ambiental tem de ser discutida em nível nacional, pois atinge o país como um todo..." Pois é, aqui você me parece confuso. Se a questão ambiental é de nível nacional, como explicar que o governo federal insista obstinado, em construir dez mega hidroelétricas na Amazõnia, com todos os impactos consequentes, já denunciados, pelos movimentos sociais, cientistas respeitados e o próprio MPF? Como explicar que o governo divida o já combalido Ibama para facilitar as licenças ambientais, para construção das hidroelétricas contestadas? Você diverge de minha idéia de não se construir megas hidroelétricas na região, por causa dos impactos irreversíveis para os povos da Amazônia, como se houvesse possibilidade de construí-las sem causar esses grandes impactos?
Se você não me diz como fazer isso, fico a pensar em sua defesa ideológica, de um apaixonado pelo governo federal só porque é o presidente Lula o "grande timoneiro". Os exemplos destrutivos lhe aponto, em Balbina, Samuel, Curuá Una, para não ficar só com Tucuruí. Não me venha com argumentos falaciosos de que estes exemplos foram erros do passado. É que não há como abrir 400 quilômetros de barrgem, como querem fazer em Belo Monte, expulsar comunidades ribeirninhas, povos indígenas e dizer que isso é o preço do PAC e que nós amazônidas temos que nos curvar. Paciência, Tibério.

3. O seguinte raciocínio me faz sorrir :" ...temos que discutir em cima do conjunto do Brasil e dividir os impactos. Não adianta pensar só em 23 milhões quando temos 180 milhões... e o maior impacto ambiental é oriundo das termoelétricas (no resto do Brasil) e do uso do fogo(na Amazõnia)". Ora, minha indignação é exatamente porque "o Brasil", diga-se, governo federal, empreiteiras, multinacionais de minérios e agronegócio, etc, não pensam nos 23 milhões da Amazônia. Por que afirmo assim? Desde quando os planejadores das hidroelétricas, vieram aqui discutir contigo, comigo, com a sociedade civil organizada, com o ministério público, sobre o PAC, sobre as hidroelétricas a serem construídas no Tapajós, Teles Pires, Belo Monte? Como o governo pensa em repartir os dividendos dessas hidroelétricas com a população da Amazônia, assim como faz hoje a Bolívia em relação à Petrobrás e como está planejando fazer o Paraguai explorado até hoje na divisão dos dividendos da hidroelétrica de Itaipu? (Agora o governo Paraguaio já pensa em romper contratos injustos feitos no passado, com benefícios para Itaipu brasileira e preuízos para a populção paraguaia).

Se fosse para ser justo, o governo federal garantiria primeiro uma condição de vida digna para os atingidos pelas barragens, respeitaria as comunidades indígenas, que têm direitos imemoriais e constitucionais, garantiria dividendos especiais para os governos das áreas atingidas pelas hidroelétricas, com recursos suficientes e específicos (como hoje consegue fazer com o recurso do Fundeb) para desenvolver o Estado, onde a usina fosse implantada. Assim como faz com as multinacionais Albrás/Alunorte e semelhantes, que recebem 40% ou coisa parecida de abatimento no consumo de energia de Tucuruí, enquanto nós paraenses consumidores pagamos tão caro quanto um consumidor de Brasília ou São Paulo. Estou sonhando? não, estou apenas mostrando que não é justo fazer benefícios para uns, com a exploração de nós outros. Não entendo teu raciocínio de "dividir impactos", Tibério.

4. "vamos fazer uma discussão séria, não olhando apenas nosso quintal, vamos pensar no todo..." Agora você apelou, amigo. Não sei quem saiu do sério. Porque o editorial pensava no quintal dos expoliados amazônidas, que você e o governo federal e grandes beneficiados dessa destruição da Amazônia, justificam com as hidroelétricas. Você parece que pensa no quintal de lá, que corre o risco do apagão alarmado para o ano 2012, como fala o presidente. Não seja magnânimo, em englobar como 167 milhões extra Amazônia(23 milhões) possivelmente ameaçados de apagão, preocupação do presidente e seu cérebro pensante, a ministra do planejamento, os pobres das periferias das cidades do sul e do nordeste. Se você me disser que eles estão preocupados e comprometidos com empreiteiras, mineradoras, industriais de Manaus e semelhantes, se você se preocupa com esse coitadinho Brasil e defende um tal desenvolvimento do PAC é outro coisa e que não comungo com você. Aí já não sei quem é mais simplista. Boa sorte.
Anônimo disse…
Edilberto, obrigado pela replica.

Pensei ter sido claro no inicio que não queria discutir a questão das hidroelétricas (pro ou contra), mas sim a questão da matriz energética do nosso País, dentro da perspectiva de futuro, incluindo a Amazônia e não separando as regiões. Inclusive para que todos possam ter mais elementos sobre um tema que envolve o futuro do Planeta e de nossa espécie.
Acho bom ter contra argumentado meus questionamentos, mas vou insistir: não podemos reduzir toda essa questão em ser a favor ou contra a 10, (12?) Megas-projetos hidroelétricos. Obvio que o assunto inclui também as hidrelétricas, mas elas são apenas uma parte do contexto.
Para você ficar mais tranqüilo, a hidrelétrica de Belo Monte é, do meu ponto de vista, hoje totalmente desnecessária, pois podemos gerar a mesma quantidade de energia de Belo Monte melhorando a eficiência energética do potencial hidrelétrico já existente, e com investimentos (bem menores) em alternativas renováveis mais modernas.
Mas e aí? Isso não resolve o dilema que o Brasil e a Amazônia (e o mundo também) têm pela frente nos próximos 10-15-20 anos.
O que temos que discutir mesmo, são os fundamentos para pensar a um futuro sustentável para todos, e não argumentando apenas com os impactos negativos sobre a população local.
Enquanto estamos discutindo sobre hidroelétricas o Governo já ampliou o programa de geração de energia nuclear (Angra 3) que pode ter conseqüências locais e globais bem piores de qualquer outro tipo de geração de energia, e ninguém deu um pio. Ademais a discussão sobre biocombustiveis e sua implantação pode gerar horrores na Amazônia e no Brasil se não for planejada e implementada de forma sustentável.
Então vamos tentar raciocinar evitando o “vicio” de ser contra ou a favor de alguma coisa a priori.
1) O mundo, o Brasil (a Amazônia também) cresce, e vai crescer ainda mais (população e economias).
2) A ONU prevê para as próximas décadas aumento de temperatura, derretimento acelerado da calota polar no Ártico, elevação do nível do mar em até 43 centímetros neste século e maior ocorrência de secas, inundações, ondas de calor e talvez a savanizção da Amazônia.
3) O aquecimento global é o problema principal para o conjunto das nações, pois suas conseqüências negativas caem em cima do conjunto, inclusive amazônico.
4) O principal vilão do aquecimento global é a matriz energética global baseada no uso dos combustíveis fosseis (a emissão dos gases que agravam o chamado efeito-estufa).
5) Apenas 13% da energia consumida no mundo é renovável. A queima de carvão e de derivados de petróleo responde por 80%, e 7% vêm de usinas nucleares.
6) O atual modelo energético brasileiro é ultra-concentrado no setor hidrelétrico, que produz 85% do total. Uma situação invejável segundo muitos. Outros 4% vem da queima de biomassa. São fontes renováveis e, em tese, neutras em termos de produção de gás carbônico. As outras fontes são gás natural (4%), óleo combustível (3%) carvão (2%) e nuclear (2%).
7) Simulando um crescimento médio do PIB de 3,2% ao ano até 2050 e um crescimento populacional de 0,5% ao ano entre 2030 e 2040 e de 0,3% ao ano depois disso, o Brasil chegaria a 2050 com 260 milhões de habitantes.

Então Edilberto temos que discutir a fundo. Não é questão de defender ou ser contra o Lula, PAC, Hidroelétricas, pois tem Nuclear e Biocombustivel que também estão vindo aí.
O Brasil precisa de energia para crescer e a maneira como irá expandir sua matriz energética poderá contribuir a criar um grande problema.
O Brasil hoje é o quarto maior emissor do planeta, fundamentalmente, por causa de uso e ocupação do solo, e o desmatamento na Amazônia é responsável por 75% da participação brasileira no aquecimento global.
O Brasil tem grandes desafios, e o primeiro grande desafio é a Amazônia. O grande problema da Amazônia não são as hidrelétricas, mas o desmatamento acelerado.
O Brasil terá que manter uma matriz energética renovável, inclusive reduzir a dependência das Megas Hidroelétricas (tem maneiras melhores a custo menor para usar o potencial hidroelétrico), mas principalmente terá que cuidar do desmatamento da Amazônia. Terá que fazer isso dentro de um critério de sustentabilidade.
Então Edilberto, vamos tentar ampliar esse debate evitando o reducionismo político, e fazer uma discussão à altura dos desafios que a Amazônia e o Brasil têm pela frente.

Tibério Alloggio