Uma "navalha" midiática

por Samuel Lima (*)


A cobertura da Operação Navalha, nas páginas dos dois principais jornais do País, revela um quadro das contradições e limites do papel da imprensa.

Atuando sempre a reboque da PF ou do Ministério Público, a mídia parece confirmar sua sina de " encobrir a lógica profunda que está por trás da cortina de novidades", como aponta o jornalista Leão Serva. É algo que transparece nas reportagens da "Folha de S. Paulo" e "O Estado de S. Paulo".

Na edição de 18/05 (sexta), a Folha traz como manchete: "PF prende 46 acusados de corrupção". No Estadão, manchete similar com uma sutil diferença: "Polícia prende 46 envolvidos em máfia de obras públicas". No texto diz outra coisa: as pessoas são "acusadas de integrarem uma quadrilha especializada em fraudar licitações de obras públicas".

O dono da construtora Gautama, Zuleido Veras, ilustra as capas dos dois diários, sob legendas similares que o acusam de ser o corruptor. As figuras de proa, até aquele momento, eram um ex-governador (Jose Reinaldo Tavares, PSB/MA) e dois governadores (Teotônio Vilela Filho, PSDB/AL e Jackson Lago, PDT/MA). Já aparecia, na Folha a menção ao ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, pela participação de um assessor direto no esquema sob investigação. O ministro viria a pedir demissão em 23/05.

No dia seguinte (19/05, sábado), o Estadão dá o rótulo definitivo: "Justiça bloqueia bens da máfia das obras públicas". Por sua vez, a Folha destaca o valor movimentado no esquema: "Acusados de desviar verbas movimentaram R$ 170 mi" – se refere às transações realizadas desde 2004. O Estadão se posiciona em editorial e comemora o fato de que os nomes dos envolvidos são ligados aos principais partidos políticos em atuação (PMDB, DEM, PDT, PT, PSB e PSDB). A indignação do jornal é contida, mas o texto trata os acusados como "máfia" e "grande quadrilha".

Já a Folha só viria a assumir posição em editorial no dia 20/05, no qual defende a reforma política e o aperfeiçoamento do Estado como medidas de combate à corrupção.

Por fim, na edição de 20/05, somente a Folha destacou: "Gautama é suspeita em licitação de R$ 1,6 bi" – fato ocorrido no município de Mauá (SP). No miolo, o jornal abriu mais cinco páginas de repercussão do assunto, destacando um pedido da Polícia Federal: "Diretor da PF pede cautela com lista" (p. A10). No Estadão o assunto some da capa, embora ainda apareça, desconexo, em duas matérias.

Nesse tipo de cobertura, ampla e complexa, a contribuição da mídia para a cidadania seria a de rejeitar a superficialidade com que o campo da política parece querer tratar o assunto. Já passou da hora de resgatar o jornalismo investigativo, cobrir com seriedade a endemia da corrupção, que assola o País desde o tempo das capitanias hereditárias. Afinal, a corrupção é uma praga mundial que só existe com dois "personagens": o corrupto e o corruptor.

Está na hora de a imprensa jogar luz sobre ambos. Neste caso específico, as figuras de renome da política pertencem aos clãs regionais, aliados de primeira hora do baronato da mídia. Não obstante o esforço da PF e do Ministério Público, a impunidade persiste, fiel "madrasta" de todos os "esquemas".

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(*) Santareno, é jornalista, coordenador do Curso de Jornalismo do Bom Jesus/IELUSC.

Comentários

Anônimo disse…
“Decreta-se a prisão temporária, a Polícia Federal exibe o preso como um troféu, algema-o desnecessariamente e o exibe em horário nacional. É um ‘escracho’. O que se fazia, antes, contra preto, pobre e puta é feito com outros presos. E há quem aplauda”.

. O autor da frase é o advogado Alberto Zacharias Toron, diretor do Conselho Federal da OAB, que defende o ex-procurador geral do Maranhão, Ulisses Cesar, suspeito de participar de esquema de fraude em licitação para beneficiar a construtora Gautama.

. O Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu um habeas corpus a Ulisses César (clique aqui).

. Toron subiu as escadas da fama por defender o juiz Nicolau dos Santos Neto, também conhecido como “juiz Lalau”.

. Voltou à planície na condição de advogado de Daniel Dantas, que não chega a ser juiz, mas é como se fosse.
Anônimo disse…
Nem a população tem dado a importância necessária a essa "máfia", que inclusive tem fortes índicios da participação do Ministro Gilmar, Mendes que está soltando todos os presos.

Professor queria que seu próximo artigo fosse a cobertura do caso da ocupação da reitoria da USP. No Observatório da Imprensa tem um artigo muito bom do Luiz Weis, mostrando os verdadeiros motivos de a mídia não perguntar a verdade aos estudantes e professores.
Anônimo disse…
Caro Alailson,

Gratíssimo pelo comentário. Vou pesquisar a respeito, talvez em mídia impressa que tenho acesso aos dois jornais (Folha e Estadão), diariamente aqui na Faculdade, e ver ser consigo produzir algo que contribua nesse debate.
Acompanho a cena, torcendo por um desfecho democrático. É preocupante a falta de iniciativa política do governo de SP para resolver o impasse, de maneira negociada, respeitando os movimentos que atuam na maior universidade brasileira.

Abração, mestre!

Samuca

P.S.: Li o artigo de Luiz Weis e gostei, muito!