Incentivos fiscais no Pará




Helenilson Pontes (*)


NA ÚLTIMA semana o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, declarou a inconstitucionalidade da parte da lei estadual paraense que permitia a concessão de benefícios fiscais a empresas participantes da política de incentivos ao desenvolvimento do Estado.

Os ministros julgaram inconstitucional, por unanimidade, o inciso I do art.5º da Lei estadual nº 6.489/02, que estabelecia a possibilidade de concessãode isenção, redução da base de cálculo, diferimento, crédito presumido esuspensão do ICMS relativo aos empreendimentos instalados em solo paraense.

A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta deInconstitucionalidade (ADI) 3246, ajuizada pela Procuradoria Geral daRepública. O Supremo Tribunal acatou o argumento de que os benefícios concedidos unilateralmente pelo Estado do Pará ferem o art. 155, § 2º, inciso XII, letra "g" daConstituição Federal que exige a celebração de convênio entre os Estados da Federação e o Distrito Federal para a concessão de incentivos fiscais.

AO ANALISAR a ação, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, enfatizou anecessidade de decisão conjunta dos Estados para a concessão dos incentivos,"de forma a evitar a competição predatória entre os entes federados, usualmente chamada de guerra fiscal". Diante disso, o ministro votou pela inconstitucionalidade, com efeito retroativo (ex tunc) do dispositivo da leiestadual.

De modo simples, o que decidiu o Supremo Tribunal Federal é que a Constituição exige que a política de incentivos fiscais de um Estado, no âmbito do ICMS, seja acatada pelos demais Estados, de modo a impedir que um Estado possa oferecer vantagens tributárias que prejudiquem os investimentos nos demais Estados, evitando, assim, a competição predatória entre os Estados da Federação.

É preciso dizer que o julgamento do Supremo Tribunal Federal não constitui qualquer novidade na Jurisprudência da Corte. Qualquer pessoa minimamente informada sobre assuntos tributários poderia prever que a lei paraense seria derrubada no Tribunal, por contrariar frontalmente o entendimento jurisprudencial dominante.

É ASSUSTADOR que as autoridades, sabedoras do desfecho da demanda, não tenham impedido a sua consumação, antecipando-se e criando uma nova política de incentivos fiscais para o Pará.

Mais grave do que a pronúncia de inconstitucionalidade – de resto, perfeitamente previsível – é a definição expressa dos efeitos jurídicos da decisão. Explico. O Poder Judiciário pode declarar uma norma inconstitucional com efeitos ex tunc ou ex nunc.

Como regra, as pronúncias de inconstitucionalidade são feitas com efeitos ex tunc, o que consiste em retirar a norma impugnada da ordem jurídica desde o momento da sua entrada no ordenamento, o que implica o desfazimento de relações jurídicas por ela reguladas ou a restauração dos efeitos nocivos por ela gerados.

OU SEJA, em poucas linhas, tudo o que foi praticado com base na norma inconstitucional deve ser refeito ou reparado, daí porque diz-se, com o perdão da técnica jurídica, que a decisão tem efeito retroativo.

Por outro lado, a decisão de inconstitucionalidade pode ter efeito apenas ex nunc, caso em que a norma é retirada da ordem jurídica apenas daquele momento em diante, respeitando-se tudo o que foi feito no passado sob sua égide. O passado é preservado. As relação jurídica por ela reguladas permanecem intactas, razão pela qual diz-se que a decisão tem efeito apenas prospectivo.

COMO A decisão do STF foi proferida com efeitos ex tunc, o credor (Estado do Pará), além de ter que criar uma nova lei de incentivos fiscais sem a pecha da inconstitucionalidade, fica autorizado a cobrar o tributo que foi dispensado pela lei incentivadora.

A razoabilidade indica que o Estado do Pará não tomará a iniciativa de cobrar o que ele mesmo dispensou, o que ofenderia diversos princípios jurídicos, tais como a confiança e a boa-fé daqueles que acreditaram na norma estadual, além da própria lógica econômica, já que o ICMS por ser um tributo indireto, cujo custo é repassado diretamente ao preço das mercadorias, não foi transferido ao adquirente dos bens negociados, em função da regra de incentivo.

Fica para as autoridades paraenses o desafio de exercer a criatividade e criar uma nova lei de incentivos fiscais para o Estado. Existem caminhos hábeis a contornar a Jurisprudência do STF, basta um pouco de imaginação e muito trabalho para encontrar as soluções, haja vista a diversidade de leis de incentivos que permanecem em vigor nos outros Estados da Federação.

NUNCA É demais lembrar que governar é também exercer a imaginação.

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* Santareno, é doutor e livre-docente pela USP. Escreve todas as quartas neste blog.

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