Pensata

Aviso aos navegantes

Juvêncio de Arruda (*)


No início dos anos sessenta, ainda guri, costumava ouvir a Voz do Brasil junto com meu pai.

Havia um informe, dirigido a todos os pescadores da costa brasileira que tinha o nome do título acima. Alertava-os das coordenadas geográficas dos exercícios de tiro da Marinha, a modo de prevenir acidentes, e garantir a volta das canoas, em segurança,aos portos.

Mas a Marinha não atirava todos os dias. Nestes a Voz do Brasil, para evitar desencontros (ouvistes o aviso? não ouvi! será?) dizia, simplesmente: Aviso aos navegantes, não há aviso aos navegantes!

Sinal verde para velas e ventos, vamos então navegar.

O problema da canoa, além do tamanho, passa pela madeira de sua construção (qualidade dos argumentos) no cavername (a organização que vai dar suporte ao movimento), braçames, quilha e sobrequilha (a estabilidade, o equilíbrio na condução do processo) e nas infalsas e patarras do mastro que vai suportar as velas (a velocidade e o senso de oportunidade do movimento) e, por fim, na observância aos critérios de lotação da canoa (para não deixar entrar quem sente náuseas no balanço do mar).

Quase todos os municípios do Pará podem arguir para si a condição de abandonados à própria sorte. Por que admitiriam, intencionalmente estimulados com os incensos da inveja, que Santarém deixasse de ser regra?

Responsabilizar os belemenses pela má distribuição da renda gerada, confundindo Estado com Sociedade, é um grave equívoco. Para os habitantes de Belém o separatismo é tão distante quanto as cabeçeiras do Maicuru.

Mas, justamente por essa indiferença, se for tocado, o nervo vago daqui vai responder, e rápido!

Para onde iriam os mais de um milhão de votos dessas almas?

Não recomendo essas duas estratégias. O "marketing do não" iria agradecer. Quais são as condições reais de operação e sustentação financeira do movimento separatista? Como vocês avaliam a visibilidade dessa organização?

Ando o tempo todo pelos quatro cantos deste estado, há 40 anos, e não estou ouvindo o estrépito da onda. Onde estão as políticas de comunicação com e para o resto do estado?

As barreiras burocráticas fazem parte do jogo. Quem vai concordar, fora daí, com a tentativa de queimar ou alterar durante a contenda as etapas legais do processo? Um festival de liminares e recursos abriria um abismo muito maior que as barreiras já existentes. É tudo que os "juristas do não" gostariam.

A questão da perda de recursos pós separação, para Santarém ou para o resto, tem que ser estudada a luz dos cenários macroeconômicos do estado, nunca em função do desenho atual das atividades produtivas. Há câmbios estruturais em curso na economia estadual e seus desdobramentos precisam ser estimados com mais acuidade.

O momento político, com efeito, conspira contra os separatistas, menos pela crise de legitimidade que enfrenta o Congresso e mais pela produtividade parlamentar que vai quase paralisar os nossos deputados, preocupadíssimos com a renovação sem precedentes que lhes bate a porta.

Mas há brechas: neste momento, poucos parlamentares se recusariam a compromissos. Façam correr a lista, principalmente entre os deputados estaduais, na minha modesta opinião os mais decisivos na parada. Quem não assinar não tem voto e pronto. O Oeste se antecipa ao inexorável: o voto distrital.

Senhores, vocês estão diante de uma campanha eleitoral, strictu sensu, que precisa, e muito, de votos em todo o estado.

Vou antecipar meu voto, não vou votar. E pela primeira vez confesso de público o porquê.

Desde a primeira eleição que trabalhei como marketeiro, em 1990, deixei de votar. Fui acometido de, perdoem-me o termo chulo, um bode existencial, uma náusea tão grande, proporcional a minha influência, como profissional, na formação da opinião pública.

É a minha dimensão humana, insuficiente e contraditória, de transitar entre entre as escolhas que fiz. E me consolo sem maiores dores com outras formas de participação e cidadania. Se o estado vier, aprumo o rumo da minha canoa na direção Oeste.

Mesmo fazendo água, tenho certeza que chego aí. Se o estado não vier vou continuar apanhando, no blog, nos bares, nas mentes de alguns. E construíndo, devargazinho, a minha canoa.

Quem sabe vocês me conquistam à causa e ponho minha bajara na frota de Dom Edilberto Pastana e tantos nobres desta terra?

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* É publicitário e mora em Belém.

Comentários

Jota Ninos disse…
Pensata

Manhas e artimanhas de um Odisseus papachibé

O lendário Odisseus, mais conhecido por Ulisses, é reconhecidamente a alma e o espírito dos povos gregos da antigüidade, e quiçá de todos os povos ocidentais.
Retratado na Odisséia de Homero (ou na panacéia hollywoodiana), ele sempre será visto como o homem que resolveu seus problemas e de seu povo com astúcia e inteligência, e que por isso mesmo despertou a ira dos deuses do Olimpo, principalmente depois de sua brilhante vitória no palco da guerra de Tróia.
De todos os ardis que utilizou para enfrentar os percalços que se sucederam, Odisseus ficou mais conhecido pelo cavalo de madeira com o qual “presenteou” os troianos, admitindo que suas muralhas eram intransponíveis. Estes, seguindo a regra milenar de que “cavalo dado não se olha os dentes”, introduziram o magnífico troféu em seus domínios e se embebedaram noite adentro. O resultado todo mundo sabe: criou-se naquele momento a expressão “presente de grego”, para identificar a dádiva traiçoeira que destruiria a orgulhosa nação de Ilios (como Tróia era chamada, daí a obra de Homero sobre aquela guerra ser chamada de Ilíada).
A postura assumida por meu colega Juvêncio em sua última pensata (Aviso aos Navegantes) nos mostra uma guinada a bombordo (à esquerda, à oeste) em sua nau desgovernada. Para quem passou algum tempo nos instigando a enfrentá-lo no debate sobre o tão propalado separatismo e a disputa dos moradores do oeste do Pará com os de Belém, eu diria que ele não escreveu uma pensata e sim uma “sensata”...
O novo discurso de Juvêncio, se não for um Cavalo de Tróia, diverge da postura anterior que mais parecia outra das artimanhas de Odisseus. Amarrado ao barco juntamente com seus homens, o rei de Ítaca conseguiu sobreviver à passagem pelo mar das sereias, não podendo ser hipnotizado por seus cantos a se atirar ao mar. Por mais que gritássemos, Juvêncio-Odisseus não nos escutava, ao mesmo tempo que nos fazia de tolos, como Odisseus fez ao ciclope Polifemo, furando-lhe o olho e fugindo agarrado à barriga de ovelhas, antes que este voltasse a “jantar” outros marinheiros de sua nau.
Concordo solenemente com a nova postura de Juvêncio, que abandona a retórica do escárnio, para nos mostrar que é preciso enfrentar a batalha não com o discurso único de que Belém nos deixa “a ver navios”. Não que isso não seja a mais pura verdade, mas se este for o argumento dificilmente poderemos resistir à campanha, já liderada por alguns meios de comunicação da capital, que tenta solidificar a idéia do “Pará único”. Em matéria de discurso sentimentalista, certamente a retórica papachibé se sobrepõe à dos tapajoaras, se assim podemos nos chamar (há controvérsias, não é Edilberto?).
Defendo a bandeira do Tapajós intrinsicamente, mas tenho sempre criticado o movimento sem participação popular de cunho elitista e partidário, que nos deixou à mercê de franco-atiradores em época de eleição. Acredito também, como tenho dito outras vezes, que faz parte de nosso destino histórico a redivisão territorial da Amazônia como forma de desenvolvimento, assim como a velha província de Santa Maria do Grão-Pará se dividiu, criando estados como o Amazonas, o Pará e o Maranhão.
Não sou nenhum estudioso dos dados estatísticos já levantados por algumas pesquisas providenciadas pelos “1.500” comitês que por aqui já se formaram. Mas creio que muitas destas informações precisam vir à tona para que todos nós possamos debater o separatismo de forma mais sólida e lógica, e não apenas sentimental.
Como grego, sou escaldado a presentes conterrâneos, principalmente vindos de qualquer belenense em se tratando de Estado do Tapajós. Mas acredito que Juvêncio-Odisseus demonstra sinceridade em sua “dimensão humana” e me tento a embarcar em sua canoa, que acredito não seja furada. Ademais, se assim for, invocarei as forças de Netuno e manterei Juvêncio-Odisseus cada vez mais no exílio, longe de sua Belém-Ítaca, e principalmente de sua Penélope que serpenteia nua por entre a floresta de mangueiras da praça da República, seu império particular.
Anônimo disse…
Juvencio....

Que bom que voce tambem sente NAUSEAS...
Melhor ainda foi saber que voce, como eu e BOTAFOGUENSE...
Ja o tenho em outros conceitos!
Anônimo disse…
Pois é,valeu
Voce,eu,Ninos,Ronaldo Passarinho,Carlos Augusto Montenegro (IBOPE),Agnaldo Timóteo..rs..viva a diversidade.
Quanto as náuseas..é vero.
Sou do mesmo barro de todos.
Té mais.