Pensata

Plebiscito já

Juvêncio de Arruda (*)


A morte de Dom Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, em 1578, traz conseqüências funestas à coroa portuguesa.

Sem herdeiros - contam alguns historiadores que o rei não seria do ramo - Portugal em dois anos cai frente o império espanhol, que governa a península (e as colonias) até 1640.

O corpitcho de Dom Sebastião nunca foi encontrado, acendendo uma espera vã pelo seu retorno a Lisboa.
Tanto tempo levou a vigília que deixou marcas profundas na cultura ibérica e, por extensão, na colônia ultramarina.

Nem a procissão dos séculos logrou sepultar uma das mais terríveis dessas cicatrizes aqui no Brasil. Refiro-me ao sebastianismo, um sentimento coletivo caracterizado pela ausência de capacidade crítica, constante lamento, tendência à responsabilização de terceiros pelos insucessos, esperança na chegada de um herói a redimir os males e garantir a salvação.

Belém é uma cidade sebastiana, afirma o pesquisador Fábio Castro (PhD Universidade de Paris VII e docente do Depto. de Comunicação da UFPA), em decorrência das perdas com a crise que sucede a derrocada da borracha, há um século.

Santarém também é, acrescento.

Não sei quando isso começou mas desconfio que as sucessivas levas de imigrantes contribuíram para o estabelecimento dessa infeliz característica. Arigós, americanos, japoneses, italianos, garimpeiros e recentemente os sojeiros, mais organizados e estimulados ao trabalho por diferentes motivos, foram ocupando os espaços-comerciais, culturais, afetivos.

A crise econômica que passou o município na década de 90 também realimentou o sentimento de perda dos santarenos.

Somente a partir desse viés consigo entender sentimentos de alívio ao saber que Wladimir Afonso da Costa Rabelo nasceu em Belém. Só dentro dessa perspectiva justifico a felicidade em vislumbrar a discutível debácle belemense com a divisão do estado, que se seguiu ao artigo de Benedito Monteiro, neste blog, há um mês.

Só o sebastianismo pode explicar uma tese estapafúrdia como a derivada do famoso périplo de (Manoel) Dutra, que "descobriu" cinco Parás... e se propõe, por isso, a esquartejá-lo. Vale dizer, a grande riqueza, o diferencial estratégico materializado na diversidade, sob o sebastianismo, e só assim, se presta a justificativas separatistas.

Talvez estejamos caminhando para a divisão do estado, até em cinco pedaços, quem sabe?

Mas com toda a certeza será porque não soubemos olhar para os cinco Parás e perceber que, para além das diferenças, temos semelhanças, dores e carências comuns, valores e patrimônios comuns. E um futuro muito melhor e mais rápido juntos.

Talvez um estado com tantas diferenças não seja capaz de gerar homens a compreendê-las e superá-las.

É com tristeza que, mais uma vez, sou alvo do sebastianismo santareno, só porque nasci na mesma cidade de Wladimir. Quer dizer, é ele o paradigma?

Arrisco um palpite : a maior ajuda que o Pará pode dar a Santarém hoje é a imediata realização do plebiscito. Do jeito que os santarenos querem, com a área que os santarenos desejam.

Quem sabe depois da corretiva sova que merecidamente vão levar, no voto, procurem outro rumo para suas lágrimas.

Longe de Dom Sebastião.

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(*) É publicitário.

Comentários

Anônimo disse…
A luta pela criação do estado do Tapajós é secular. Não nasceu ontem, não é xororô recente das elites regionais - agora, segundo o publicitário, reforçada pelos sojeiros. Esse território aqui, sempre abandonado, sempre quintal dos belenenses, sempre tratado a água e farinha, é como se fosse uma Catalunha do Pará, com sentimento de separação que pulsa sempre. Somos diferentes, o Pará do Wlad nos trata diferente, a Belém do Juvêncio nunca quis igualdade de tratamento com a gente, porque sabe da Catalunha que representamos.

Tapajônico
Anônimo disse…
A analogia do publicitário é corretíssima. Pecamos por esperar um líder que viesse redimir nosso atraso, alicerçar nossa cidadania, resgatar nossa auto-estima. Esperamos que ele viesse da Belém cosmopolita e arrogante, mas ficamos a esperar...Pecamos porque acreditamos em falsas promessas, porque limitamos nossas ações a discursos eleitoreiros. O "Dom Sebastião de Alcácer-Quibir" não veio e não virá. Mas nem tudo está perdido. Queremos ter o direito a "levar uma sova".
Anônimo disse…
A analogia do publicitário é corretíssima. Pecamos por esperar um líder que viesse redimir nosso atraso, alicerçar nossa cidadania, resgatar nossa auto-estima. Esperamos que ele viesse da Belém cosmopolita e arrogante, mas ficamos a esperar...Pecamos porque acreditamos em falsas promessas, porque limitamos nossas ações a discursos eleitoreiros. O "Dom Sebastião de Alcácer-Quibir" não veio e não virá. Mas nem tudo está perdido. Queremos ter o direito a "levar uma sova".